Com que corpo você quer envelhecer? – Por Ingrid Gerolimich

É claro que a ideia de uma finitude da existência, o medo da morte, faz com que esse tema vire um tabu e que a negação surja como um mecanismo de defesa. Mas falo aqui de um outro aspecto do problema

Foto: Suzana Alves, Instagram
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Tem ganhado cada vez mais espaço nas redes sociais um movimento de mulheres que estão deixando seus cabelos grisalhos como uma forma de dizer que não há nada de errado em envelhecer. Muitas famosas aderiram e entre elas uma me chamou atenção, Suzana Alves, mais conhecida como Tiazinha, um símbolo sexual que marcou uma geração com suas performances sensuais aos sábados à tarde em um programa de TV.

Sem desconsiderar o contexto de exploração pornográfica do corpo feminino onde estava inserido o tal programa, Suzana performava através de sua personagem uma mulher experiente, o papel oposto da menina ingênua.  Ainda assim, as críticas de muitas pessoas diante de sua decisão de deixar os cabelhos grisalhos mostram o quanto a imagem da beleza e sensualidade feminina está atrelada a um corpo muito jovem, quase infantil, e isso é algo doentio e sobre o qual precisamos nos debruçar enquanto sociedade.

Se existe algo que é inerente a todos nós: mulheres, homens, ricos, pobres, negros, brancos, é o fato de que todo mundo está envelhecendo. Envelhecer é um processo inerente à vida. Então, como podemos lidar de uma maneira tão antinatural com algo tão natural?

É claro que a ideia de uma finitude da existência, o medo da morte, faz com que esse tema vire um tabu e que a negação surja como um mecanismo de defesa. Mas falo aqui de um outro aspecto do problema, e que atinge muito mais as mulheres do que os homens, que é o medo de não ser mais desejável diante do outro conforme os anos passam. Esse é um medo de muitas mulheres e que nos aprisiona junto a inúmeras e sucessivas tentativas de retardar e até mesmo impedir os efeitos do tempo.

Nossos corpos, antes de serem nossos, são corpos sociais. E, na atualidade são tidos como corpos-paisagem, ou seja, corpos que precisam atender ao que se estabelece como belo para uma boa harmonia social, pois, caso contrário, são excluídos do convívio em sociedade. E como belo leia-se, principalmente, um corpo jovem e magro, entre outras coisas.

E quem estabelece os critérios do que é belo?

Não há como não apontar novamente aquele nosso velho conhecido, o capitalismo, por tal feito, já que sabemos que vivemos em um modelo de sociedade baseado no consumo. E é aí que toda uma construção social baseada em consumo e lucro se dá também na esfera da experiência subjetiva do corpo, este que agora também é um corpo-mercadoria e precisa atuar dentro de critérios de uma espécie de eficiência corporal e sucesso no combate ao envelhecimento, que parecem extraídos de um daqueles guias de empreendedorismo americano que te ensinam a vencer na vida.

Assim, lucra-se bastante com toda a infinidade de produtos, técnicas e procedimentos que prometem um corpo bem sucedido. E, como prêmio a este corpo vencedor e lucrativo, é prometido o pertencimento social, que se reflete desde o mundo do trabalho até as relações amorosas.

Neste modelo, ao invés de enaltecermos e vibrarmos com as experiências que acumulamos, tudo o que aprendemos ao longo dos anos, sobre todas as coisas que vivemos, nos preocupamos mais com as rugas que os anos nos proporcionaram e tentamos ao máximo esconder todas as possíveis marcas do tempo, já que neste contexto envelhecer é feio, cabendo a nós mesmas o ato de vigiar e punir nossos próprios corpos.

Isso resulta no apagamento da dimensão social da experiência de envelhecer, que pode ser tão enriquecedora. Gosto mais de quem sou hoje, me conheço mais, me respeito mais. E isso só foi possível por tudo o que vivi até aqui. Cada momento da vida tem a sua beleza e vivemos cada um deles de maneira diferente, conforme a pessoa que conseguimos ser naquele momento, por isso querer estacionar toda uma existência em apenas uma época da vida, a juventude, me parece tão insano quanto limitado.

O culto à juventude que vivemos na contemporaneidade enaltece algo que faz com que qualquer outro momento da nossa existência pareça ruim ou menos incrível. E é importante que a gente perceba que isso na prática não faz o menor sentido, já que envelhecemos a cada dia e isso não é uma escolha, logo, é só uma questão de tempo até que todos passemos pelas mesmas agruras de um restante de existência baseado naquilo que já não é mais. Isso sem contar que, com a expectativa de vida só aumentando, vivemos muito mais tempo fora do que se considera juventude do que dentro dela.

Como mudar isso?

Foucault chamava de ‘’A Estética da Resistência” ou “Cuidado de Si” aquilo que os gregos e romanos tinham como uma ética do cuidado de si mesmo e que significava estar atento a três elementos principais de cada existência individual: a verdade, a razão e a alma.  Em seus escritos sobre este assunto, Foucault falava sobre a possibilidade de sermos artesãos da nossa própria vida, imprimindo nosso estilo próprio e fazendo dela uma obra de arte. Essa é a maneira que ele indica de driblarmos os dispositivos que controlam a nossa existência e ditam quem devermos ou não ser para, assim, chegarmos mais próximo de uma vida que atenda aos três preceitos dessa ética do cuidado de si e que visam o bem viver.

Isso significa que, apesar de envelhecer não ser uma escolha, podemos escolher o corpo com o qual queremos passar o resto de nossos dias. Agora, fica a pergunta: Com que corpo você quer envelhecer? Com este corpo-mercadoria, que atende à lógica do consumo e do lucro, ou com um corpo-vida, que considera os desejos mais profundos da sua alma?

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

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