Uma das polêmicas da semana, num país que mesmo em tempos olímpicos é surrado com ações estapafúrdias que acabam gerando polêmicas, veio da deputada federal Janaína Paschoal, que em suas redes sociais fez uma crítica ao trabalho do Padre Júlio Lancelotti que em sua Pastoral do Povo da Rua leva comida aos que estão em situação de miséria na Cracolândia, no centro da capital paulista.
No seu Twitter, Janaína diz: “As pessoas que moram e trabalham naquela região já não aguentam mais. O Padre e os voluntários ajudariam se convencessem seus assistidos a se tratarem e irem para os abrigos. A distribuição de alimentos na Cracolândia só ajuda o crime. O tema precisa ser debatido com honestidade.”
A deputada nada faz mais do que repetir o “senso comum” da “classe média paulistana” sobre o problema da Cracolândia: que ali estão bandos de desocupados, drogados e vagabundos, que deveriam ser “convencidos” a irem para os abrigos, e que a distribuição de alimentos só ajuda esse pessoal a continuar nas ruas, transtornando a vida dos “cidadãos de bem” (cada vez essa expressão me causa mais asco). Só numa coisa Janaína me faz concordar com ela: o tema precisa ser debatido com honestidade.
Honestidade que falta nas políticas públicas que deveriam existir não como abrigos ou clínicas, mas bem antes, na educação, saneamento básico e trabalho digno para essas pessoas. Um país de imensa desigualdade, que a cada dia despeja milhares de pessoas nas ruas, sem esperanças e sem perspectivas nenhumas de trabalho e dignidade é um país que promove as Cracolândias, que obriga a existência delas a partir do momento em que essas pessoas, já privadas de todas as possibilidades de uma vida digna, apelam para o seu “alívio” no crack, que tem como principais efeitos psicológicos a euforia, a sensação de poder e o aumento da autoestima.
Honestidade que falta nos relacionamentos e na “caridade” da classe média, que quer “ajudar” as pessoas desde que sejam retiradas de seu caminho, desde que apagadas e anuladas da realidade que os cercam. Caso fossem para clínicas ou abrigos, não teriam que ver a realidade nua e crua na frente deles todos os dias: de que o capitalismo selvagem ao qual são servidores fiéis é que causa tamanha chaga no meio da sociedade. Muitos também estão na Cracolândia por terem falhados em sua missão de “empreendedores”, farsa promovida pela uberização do trabalho e falta de respeito ao ser humano nas relações trabalhistas.
Honestidade, Janaína, que sobra nas ações e reações do Padre Júlio, que sabedor da realidade faz o que pode e o que está a seu alcance para mudar a vida dessas pessoas. Mas Padre Júlio não e deputado, prezada parlamentar. É na sua “casa legislativa” que as Cracolândias são formadas, ao votarem pela precarização dos direitos trabalhistas, pelo avanço das privatizações (que fazem serviços essenciais chegarem mais caros à população), pelo descaso e destruição da previdência, que tira direitos de quem trabalhou a vida inteira por uma velhice digna (já viu quantos idosos estão na Cracolândia, deputada?).
Portanto, Janaína, faça o seu trabalho para acabar com as Cracolândias e deixe o Padre Júlio tentar amenizar as dores do povo sofrido por conta das decisões perversas do presidente que a senhora ajudou a eleger e do Congresso que a senhora faz parte. Trate o tema com honestidade! E, se der, por mais que seja difícil para a senhora, além da honestidade, com humanidade também!
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.