Mortos do bolsonarismo: chopinho, tira-gosto e R$ 1,6 bi em vacinas fajutas

Entenda a lógica do absurdo. A avacalhação, com ares de desumanidade, é a nossa sina. Pfizer com 50% de desconto é rejeitada, mas tratativa com muambeiro vira política de Estado – Por Henrique Rodrigues

Foto: Prefeitura de Manaus/Agência Senado (Edição de imagens)
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As soluções do governo Bolsonaro para vencer a maior crise sanitária dos últimos 100 anos vêm de um regabofe, como muito chopinho e petiscos, que promoverá o encontro de um burocrata do sistema com um PM trambiqueiro que vende vacinas "paralelas" (que não seriam entregues).

A sinopse, que lembra um filme do Borat, por mais que pareça surreal, é verídica e expõe ao sol do meio-dia o limo imoral e inescrupuloso da administração pública federal liderada por um indivíduo de caráter escatológico que não cansa de assustar o mundo com suas bizarrices.

Passamos mais de 10 horas ontem na frente do televisor entorpecidos pelo cinismo de um sujeito que, entre uma beiçada no chope e um torresminho crocante, confabulava com um cabo de Alfenas uma saída para a peste. Lucrativa, claro.

Dominguetti, o cabo-mascate (que carrega insumos farmacêuticos pirateados na maleta) oferece uma porcaria que não tem. O agora depoente da CPI arregala os olhos e já marca a reunião para a manhã seguinte.

São 400 milhões de doses, coisa de R$ 1,6 bilhão, com um dólar de lambuja por cada picada dada nos brasileiros.

"Desce mais uma gelada e outra porção de azeitona, meu consagrado... Hoje a pressão vai subir!"

A vacina? Tal de Covaxin, com resultados inconclusos, ainda em fase de testes finais e sem autorização ou homologação da Anvisa e de agências reguladoras internacionais.

Começa uma frenética corrida para liberar o produto imediatamente. Surgem notas fiscais toscas, adulteradas, ilegíveis, com erros de preço, prazo, pagamento. Segue a pressão pelo despacho. Tudo pra ontem, já. Agora!

Enquanto isso, a farmacêutica Pfizer, gigante multinacional com representação própria e oficial no Brasil, que desenvolveu o imunizante considerado o mais eficaz para o Sars-Cov-2 até o momento, depois de vender à União Europeia, Israel e EUA, implora ao Brasil que compre sua vacina. Encaminha centenas de e-mails, durante mais de seis meses, dá 50% de desconto e é ignorada.

"Não podemos comprar qualquer coisa... Há cláusulas leoninas no contrato... O preço é muito alto... Só depois do aval da Anvisa" foram algumas das justificativas dadas pelo boca-de-lodo do Planalto para não fechar negócio.

Mal imaginávamos que não era negacionismo, tampouco má vontade. As hipercondições exigentes para a aquisição do produto da Pfizer eram só o pretexto para encontrar presepeiros que atuassem vendendo qualquer porcaria fuleira, desde que superfaturada e em transações sombrias.

Aí acharam o PM de Alfenas (isso ainda vai dar nome a um romance sanitário), que nem mesmo tinha as tais vacinas genéricas. Ele era o esperto e só estava procurando um otário. Se pegasse a grana na mão, não ia dar nada ao Ministério da Saúde. Talvez mandasse entregar umas garrafinhas de água de Jussara ou elixir de alfazema.

Enquanto isso, o contador não para. São 527 mil caixões empilhados, famílias destroçadas, filhos sem pai e mãe, pais e mães sem filhos, gente sequelada, dor e um sofrimento infinito.

A picaretagem só não se concretizou porque um servidor de carreira, na ponta da linha, notou a transação grotesca e meteu a boca no mundo.

Levou o fato ao presidente da República, com seu irmão a tiracolo, que é deputado federal e aliado do governo. O mandatário diz que fará algo, mas afirma saber que esses trambiques do "fulano" correm soltos no ministério.

Uma semana depois, a perícia no celular do cabo de Alfenas revela que o presidente sabia de tudo e que deu ok para a gambiarra institucional. E lá vai o verniz anticorrupção do inquilino do Planalto para as cucuias outra vez.

Enquanto o mar de lama vem à tona entre um gole e outro, o funeral perpétuo do Brasil segue o rumo e o choro do luto só é sufocado pela revolta com toda essa esculhambação.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.