No último sábado, dia 24, um grupo denominado “Revolução Periférica” ateou fogo a um dos principais monumentos de São Paulo: uma estátua em homenagem a Borba Gato. Para quem não sabe, Manuel de Borba Gato foi bandeirante paulista que matou e escravizou negros e indígenas entre os séculos 16 e 17. Há relatos terríveis de estupros e tráfico de mulheres indígenas realizados pelos “heróis das bandeiras” que, entre outras coisas, atuaram na captura de escravos fugitivos e destruição de quilombos.
O fato gerou muita discussão nas redes, e até mesmo alguns progressistas fizeram críticas, não ao ato em si, mas ao fato de ter acontecido no mesmo dia em que milhares de brasileiros foram as ruas pelo “Fora Bolsonaro”, o que poderia ser aproveitado pelos bolsonaristas no seu discurso de “vandalismo” associado aos atos. Todo debate nesse sentido é legítimo, por questões de estratégia e tudo o mais, mas não podemos, de forma alguma, deslegitimar a “Revolução Periférica” e, muito menos, a sua atuação. Só quem sofreu e ainda sofre as dores dos “bandeirantes modernos” sabe a indignação e o “Basta” que esse ato significa.
Aliás, algo que precisa urgentemente ser debatido e até mesmo revisto na realidade brasileira: o seu apego e apreço em homenagear torturadores, dominadores, invasores e pessoas indignas de serem perpetuadas em estátuas, nomes de ruas, cidades, escolas. A homenagem de Bolsonaro ao torturador/estuprador Ustra, por exemplo, não surgiu do nada. Foi um ato pensado e que, infelizmente, comunica e é bem recebido por parte da população que realmente tem esses seres inumanos e perversos como “ídolos”, catarse de uma maldade que é cada vez mais latente e explícita com o advento do bolsonarismo.
Lembrei-me, então, de uma passagem bíblica que, a meu ver, pode dizer muito sobre esse episódio: o sonho de Nabucodonosor relatado no segundo capítulo do livro do profeta Daniel. O Rei do Império Babilônico teve um sonho que lhe inquietou, onde aparecia uma estátua que tinha a cabeça de ouro, o peito e os braços de prata, o ventre e coxas de bronze, as pernas de ferro e os pés eram parte de ferro e parte de barro e enquanto Nabucodonosor contemplava a gigantesca estátua, uma pedra soltou-se, sem auxílio de mãos, atingiu a estátua nos pés de ferro e de barro e os esmigalhou, “... Então o ferro, o barro, o bronze, a prata e o ouro foram despedaçados, viraram pó, como o pó da debulha do trigo na eira durante o verão.” (Daniel 2:35)
A explicação de Daniel para o sonho era que tanto o império babilônico, como outros que ainda viriam (representados pelos metais preciosos e pela força do ferro) um dia sucumbiriam a uma “pedra solta, sem auxílio de mãos”. A teologia cristã clássica quer interpretar essa pedra como o cristianismo, mas quero discordar. Daniel diz que depois desses reis haverá um reino, vindo “de Deus” que jamais será destruído ou dominado por outro povo. Não creio que se trate de uma religião, ou de um Estado Religioso. Nada poderia ser mais divino contra os impérios do que as revoluções periféricas.
É deles e delas, homens e mulheres da periferia, em sua maioria negros e negras, rejeitados por todos esses sistemas poderosos, que virá a revolução. São essas revoluções as “pedras soltas, sem auxílio de mãos” (leia-se, sem alguém que as subjugue ou faça chegar lá) que nos salvam e nos salvarão dos sistemas opressores. São essas revoluções que derrubarão as estátuas dos opressores, que têm pés de barro e não permanecerão para sempre!
É de Galos e Géssicas que precisamos. De gente que não se curva aos ídolos das barbáries. E ainda há muitos deles a serem derrubados no Brasil e no mundo, mas por aqui eles são muitos, centenas, milhares. Borba Gato não vai ficar em pé por muito tempo, nem os bandeirantes, nem os generais que torturaram e mataram quem lutava por democracia, ruas, avenidas e pontes ainda terão seus nomes trocados, aquelas malditas réplicas da Havan também merecem o chão, o fogo, o esmigalhar. Todos eles merecem. Para que sejam apenas lembrados nos livros de história, como vilões e bandidos que sempre foram, mas nunca mais homenageados e celebrados por gente doente, covarde e má!
A revolução periférica está às portas. E as estátuas cairão! Uma por uma! E eu não tenho dúvidas: Deus sorri a cada estátua opressora que cai.
Resistamos! E #LibertemGaloeGessica
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.