O “serial killer” ajudado por uma “rede criminosa”. Esse é a narrativa do jornalismo corporativo à caça cinematográfica de 20 dias ao criminoso Lázaro Barbosa, custando ao dinheiro público mais de R$ 3 milhões. Como toda bomba semiótica, revela timing e overacting. Lázaro era uma “laranja mecânica”, na acepção do termo: máquina que enlouqueceu e perdeu o controle; matador de aluguel mantido por “rede criminosa” formada, na verdade, por "cidadãos de bem". Pelo sincronismo com as cuspidas de feijões de Luis Miranda na CPI (com colete à prova de balas e Bíblia na mão) é uma meta-bomba semiótica: a execução por 30 tiros reforça o imaginário da meganhagem, justiçamento e racismo. Imaginário em baixa com o ostracismo do ex-juiz Sérgio Moro, as vitórias de Lula no STF e o fim da Lava Jato. É o momento de reforçar o imaginário que alimentará as futuras bombas semióticas em hipotéticos cenários eleitorais de 2022.
Como esse blog vem destacando ao longo de todos esses anos (mais precisamente desde as Jornadas de Junho de 2013), as bombas semióticas são principalmente bombas cognitivas. Elas vão muito além de uma guerrilha semiológica de propaganda dentro do modelo tradicional das Teorias da Informação ou da Persuasão. Pelas suas características de novidade, efemeridade, imprevisibilidade e movimento, a metáfora da “bomba” é perfeita: uma ação pontual, cuja detonação cria ondas de choque tanto no contínuo midiático quanto no contínuo das relações sociais que sancionam os conteúdos midiáticos.
O poder de ressonância das bombas semióticas, detonadas pela grande mídia em momentos decisivos nos últimos anos de guerra híbrida (impeachment de 2016, vitória eleitoral de Bolsonaro, a realização da agenda neoliberal de reformas e privatizações mesmo no contexto da trágica crise brasileira da pandemia), não se deve a um poder de “influência persuasiva” stricto sensu.
Por si mesmas, como determinadas configurações de signos (textuais e visuais) que criam narrativas, não teriam a força letal que possuem. As bombas semióticas necessitam de algo mais. Necessitam que os signos do contínuo midiático atmosférico se conectem com o imaginário: conjunto difuso de cenas, imagens, símbolos do inconsciente coletivo. Ou, se quiser, uma “psicoesfera” capaz de criar “egrégoras” – força espiritual formada por um conjunto de energias e sentimentos de um grupo de pessoas e, se for hegemônica, da própria sociedade.
É exatamente nesse plano que se encontram os pontos fracos, as feridas abertas do psiquismo social de uma sociedade. Feridas exploradas nas estratégias de guerra híbrida na gestão do chamado “caos administrado”. Através da qual são criadas cismogêneses: geração de polarização, conflitos. Nas palavras do jornalista Andrew Korybko, os “botões certos” que são apertados em operações psicológicas para criar determinados efeitos políticos.
Apertar alguns botões do imaginário
Como observamos em postagem anterior, o cenário eleitoral para 2022 aponta para o esgotamento da chamada “terceira via”: a criação de um “campeão branco”, personagem que representaria uma saída para a falsa polarização criada pela narrativa midiática “nem-nem” Bolsonaro X Lula. Foram-se Mandetta, Huck etc.
Um “campeão branco” teria a difícil missão de ocultar dos eleitores a agenda neoliberal (que, por si mesma, nunca ganhou uma eleição) através dos temas diversionistas como “combate à corrupção”, “segurança pública”, “bandido bom é bandido morto”, “proteção ao cidadão de bem” e assim por diante.
Esse humilde blogueiro observava, acompanhando a análise do jornalista Rodrigo Vianna, que a única saída para a direita liberal seria uma candidatura unida ao Partido Militar (a “segunda via”), arranjo que incluiria mídia/Banca financeira/PSDB. Daí, a direita tradicional queimar o fusível do extrema direita Bolsonaro para liberar o agora elevado a reserva “moral” e “racional” do Exército, o vice general Mourão – clique aqui.
Uma operação psicológica desse alcance exigiria reforçar os dois “botões para apertar” do imaginário nacional (escravidão e militarismo) para ativar as futuras bombas semióticas visando cenários decisivos para 2022.
O timing perfeito entre o estardalhaço midiático do desfecho sangrento da perseguição ao facínora Lázaro Barbosa e o ápice da CPI da Covid (a cuspida dos feijões do deputado Luis Miranda depois da chegada overacting no Congresso trajando colete tático à prova de balas empunhando um volume da Bíblia) é o início desse movimento de reforço de algumas egrégoras do imaginário que estão desgastadas.
Por que desgastadas? Devido ao ostracismo do ex-juiz Sérgio Moro, as sucessivas vitórias de Lula no STF e a ruína da marca “força tarefa Lava Jato” junto à opinião pública. Já não vemos mais nos telejornais o épico slogan “Policiais Federais nas ruas!”, bradado por apresentadores a cada condução coercitiva feita por agentes fortemente armadas como fossem participar de alguma ação militar no Iraque.
Praticamente desapareceu o impacto daquelas operações da polícia federal ou civil com nomes estrambólicos (chega a ser divertido imaginar como seriam as sessões das brainstormings das quais saíram os nomes dessas operações) nas ações de busca e apreensão de drogas e corruptos.
Lázaro e o imaginário
Os vinte dias da operação Lázaro Barbosa e o aumento da temperatura da CPI estão interligadas, a princípio como estratégia diversionista – desviar o foco da opinião pública. Porém, esse é apenas um efeito residual. O mais importante foi o reforço de dois “botões” do imaginário que serão certamente apertados no futuro: o botão da meganhagem/justiçamento (militarismo) e o botão do preconceito racial, decorrente do estigma da escravidão que jamais foi redimido.
Repare leitor a obscenidade das imagens do desfecho do caso Lázaro Barbosa destacadas pela grande mídia (tão diligente em esconder as imagens das ofensas de Bolsonaro aos repórteres): policiais comemorando a morte do criminoso como a vitória de um campeonato, o corpo de Lázaro sendo jogado numa ambulância e moradores locais pulando de alegria e soltando fogos.
A comemoração do governador Ronaldo Caiado (que nos tempos da UDR defendia receber a bala militantes sem terra) nas redes sociais: “aqui não é Disneylândia pra bandidos!”, regozijava.
Claro, é o happy end previsível de um roteiro tão cinematográfico da caça ao “Serial Killer do Distrito Federal”: afinal, a “força tarefa” (de novo, o reforço dessa marca no imaginário) foi composta por 300 agentes fortemente armados, cães farejadores, drones com infravermelho capaz de detectar calor humano, quatro helicópteros voando quatro horas por dia, um veículo chamado Estação Rádio Base equipado com uma torre de 15 metros. Tudo com um custo de mais de R$ 3 milhões.
E como esses tempos não são para ninharia, o perseguido foi morto por 30 tiros, o que caracteriza não um tiroteio, mas execução.
Tudo muito cinematográfico para estimular a egrégora militar da meganhagem/justiçamento - armas e meganhas (soldados e policiais) se transformam em solução de todos os problemas nacionais, passando ao largo da política, democracia representativa ou Estado de Direito.
Uma das marcas do estardalhaço dos 20 dias de busca foi a circulação de vídeos que supostamente ligava Lázaro a religiões de matriz africana. Segundo denúncias dos religiosos, o material teria sido forjado pelos próprios policiais para justificar a arbitrariedade das portas arrombadas e invasões em terreiros de Umbanda.
Policiais exploraram essas invasões em vídeos em redes sociais como Tik Tok assim como nas imagens dos indefectíveis telejornais policialescos da grande mídia.
Segunda egrégora do imaginário reforçada pela operação: o preconceito racial, uma das consequências de um país que jamais acertou contas com o estigma da escravidão.
Para que tudo isso funcionasse (turbinar o imaginário do justiçamento, meganhagem e racismo) foi necessário criar a imagem da vilania quase sobrenatural de Lázaro Barbosa, o “Serial Killer do Distrito Federal”.
Laranja mecânica
Por que os 30 tiros em Lázaro? Por que a execução que acabou convenientemente dificultando as investigações? É visível que Lázaro Barbosa era uma “laranja mecânica” – expressão usada por Stanley Kubrick no filme clássico homônimo que significa “máquina que enlouqueceu e sobre a qual foi perdido o controle”.
O “serial killer” era na verdade um jagunço, um matador de aluguel de fazendeiros da região. Cuja frieza o tornaram o “profissional” perfeito para o western que sempre foram aquelas paragens. Morreu com R$ 4,4 mil no bolso...
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