A natureza oferece infinitos exemplos de como se organizar, se adaptar e se desenvolver. Até há pouco tempo, nosso mundo focado na produção industrial e no lucro, não olhava para a natureza como uma aliada para a resolução dos desafios das empresas. No entanto, especialmente pela necessidade de proteger o meio ambiente e preservar os recursos naturais, esse olhar, que é não exatamente novo, volta ao cenário mundial. Nesse contexto, ganhou destaque há alguns anos a biomimética (ciência que se inspira na natureza para criar soluções sustentáveis para o processo produtivo humano).
Bio, significa vida, mimética significa imitação. Portanto, é uma ciência que imita a natureza para a criação de soluções que envolvem diversas áreas, como o design, a engenharia, arquitetura, agronomia, economia e administração, entre outros. A especialista Janine M. Benyus, fundadora do Biomimética Institute, é uma das precursoras no estudo e na aplicação dessa ciência, bem como seu conceito. Em seu livro Biomimética – inovação inspirada na natureza, ela identifica os elementos que a compõem e mostra como ela pode transformar nossas descobertas em todos os campos da inventividade humana – tecnologia, medicina, produção e distribuição de energia, economia e negócios, além da alimentação do planeta como um todo. Já Giane Brocco, especialista em biomimética pelo Biomimicry 3.8, nos Estados Unidos, e fundadora da consultoria Biomimicry Brasil, diz que a biomimética tem resultado desde que se faça a pergunta certa à natureza e nos questionarmos sobre como a natureza agiria em determinadas situações e problemas.
Apesar da abordagem inovadora, a biomimética não é exatamente uma disciplina nova. Há quase dez anos, atletas de elite da natação já deslizavam na piscina vestindo maiôs feitos com materiais que imitavam a natureza, ou seja, pensando em inteligência coletiva e soluções novas para o nosso cotidiano, a biomimética traz benefícios para áreas da moda e do esporte, à administração e até logística. O exemplo mais citado e conhecido de inovação relacionada à biomimética (já antigo) é o velcro. Em 1941, o engenheiro George de Mestral foi inspirado pelos carrapichos, que grudavam na roupa e nos pelos de animais. No microscópio, ele notou que os pequenos ganchos da planta grudavam em qualquer superfície com alças.
No mundo empresarial, essa prática traz a necessidade da multidisciplinaridade e a urgência de criar um processo de produção mais sustentável. Se num primeiro momento os empresários podem ver as inovações sustentáveis como um investimento mais alto, muitos já começaram a perceber que a longo prazo os benefícios (especialmente no quesito lucro) são enormes. Empresas como Ford, Coca-Cola, General Eletric, Natura, Procter & Gamble, Levi’s, Nike, Colgate-Palmolive e Boeing já desenvolveram produtos com a utilização dessa ciência. No quesito social e pensando no segmento de arquitetura e urbanismo, por exemplo, já existem edifícios ao redor do mundo que utilizam o sistema de controle de temperatura parecido com os cupinzeiros, o The Gerkin. Um dos mais icônicos da Inglaterra, usa este sistema, assim como um grande shopping no Zimbábue. A biomimética, inclusive, é tida como uma forte tendência, sobretudo para a área de design e arquitetura. Hoje, arquitetos e designer trabalham lado a lado com biólogos e biomédicos para criar espaços mais sustentáveis, menos agressivos e mais harmônicos. Assim, olhar e “imitar” a natureza reconectando-se com ela é uma forma de mudar nosso foco de pensamento para termos cidades menos hostis e entendermos que fazemos parte da natureza: é um fluxo de troca.
A biomimética conta com três princípios: ética, reconexão e educação. No campo dos negócios, esses três pilares se traduzem em vantagens competitivas no momento em que se une a inovação ao convívio com a natureza, produzindo bens e serviços que estão em consenso com o respeito com todos os seres vivos e que otimizam custos, tempo e dinheiro a longo prazo. Essa ciência está intrinsicamente ligada à economia circular e vê como a natureza trabalha de modo eficiente. A ideia, portanto, não é utilizar os recursos naturais para produzir, mas imitar a natureza para elaborar soluções viáveis para desafios complexos do mundo moderno. Até o asfalto pode ser produzido de forma sustentável, olhando para a natureza, de maneira que não haja necessidade de custos de manutenção para a recuperação do asfalto. Outro exemplo é o cimento, que pode ser produzido com um sistema parecido com o processo de construção do exoesqueleto dos corais. Nesse sentido, a biomimética é democrática, pois ela desenvolve projetos pequenos ou grandes, de acordo com a necessidade local. São soluções para visão sistêmica que direcionam melhor os recursos financeiros das empresas.
Em 2020, mergulhamos no que viria a ser a maior crise humanitária dos últimos tempos. Assistimos a análises, previsões e dados bastante contundentes, que se transformaram na perda de vidas e só fizeram refletir nossa profunda incapacidade de agirmos com respeito à natureza. Nesse ponto, a biomimética ganhou ainda mais destaque, porque tornou-se uma maneira de pensar em ideias da natureza para solucionar questões do mundo produtivo. Portanto, o contato com a natureza exige um exercício de experiências diferentes e ativa o lado criativo do indivíduo.
Aqui no Brasil, essa ciência ainda é muito pouco estudada ou aplicada. No entanto, há exemplos robustos e positivos que indicam que esta tendência veio para ficar (a longo prazo). Mesmo assim, startups e empresas com viés de impacto social e inovação começam a olhar para a metodologia como forma alternativa de trabalhar valores humanos sem tirar o foco dos negócios. O hotel Votu (que significa vento em Tupi), por exemplo, no Sul da Bahia, foi construído com esta visão, com a consultoria e apoio de uma bióloga brasileira, especialista no tema: a ventilação natural das suítes, por exemplo, foi inspirada na toca do cão de pradaria, enterrada no solo com entradas e saídas de ar. Ou seja, este sistema permite que as suítes equilibrem a temperatura e a umidade sem utilização de ar condicionado ou produtos que agridam a natureza. Já a cobertura da cozinha foi inspirada no bico do tucano, que funciona como um radiador térmico eficiente. Portanto, e não menos importante, é preciso frisar que a biomimética se alinha com a economia verde, uma vez que pode ser utilizada para criar processos mais sustentáveis de plantios de muda a diversas outras inovações que não agridem o meio ambiente (mas, sim, se reconectam com ele).
Vamos aqui pensar em um exemplo bem prático também: a flor de lótus tem sido pesquisada por nanotecnólogos com o intuito de aplicar o mesmo efeito que existe na planta, em produtos como superfícies, tintas, tecidos e telhas que possam se autolimpar facilmente. Conhecida popularmente como lótus, a espécie aquática Nelumbo nucifera conta com folhas autolimpantes, ou ultra-hidrofóbicas. Isso quer dizer que nenhuma partícula de sujeira ou água adere a ela, o que é especialmente útil no contexto úmido e lamacento em que a planta vive. Outro exemplo parecido vem dos oceanos. Estudos nos EUA se desenvolvem no intuito de buscar estratégias para reduzir o uso de tintas anti-incrustantes tóxicas e caras aplicadas repetidamente em docas, para evitar a proliferação de algas. A inspiração para solucionar a questão veio da pele dos tubarões. Ao examinar os dentículos dérmicos, viu-se que eles são arranjados em um padrão de diamante, de uma forma que desencoraja os micro-organismos a se estabelecerem. Os micro-organismos não têm interesse em permanecer na superfície por conta de sua geometria desconfortável. Sharklet é o nome da tecnologia desenvolvida a partir desse conhecimento.
Em face aos problemas globais atuais, adotar uma postura multidisciplinar é imprescindível para enfrentar as questões e buscar resultados efetivos. Seja qual for o caminho, as jornadas criativas usando a biomimética pressupõem trabalho em equipes multidisciplinares e diversas, em que a soma de conhecimentos favorece uma análise mais profunda dos contextos a serem trabalhados e, consequentemente, a inovação. Esta abordagem é uma tendência promissora para o empreendedor ao conectá-lo com o seu propósito, a partir de ideias mais criativas construídas em experiências e ambientes novos.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.