Confesso que não fiquei nem um pouco espantado com o anúncio da morte do então foragido Lázaro Barbosa. Só sendo muito ingênuo para pensar que todo aquele aparato era para simplesmente prender o fugitivo. E mais, a ânsia popular, dominada pela cultura do ódio, era pelo fuzilamento, com requintes de crueldade e, se possível (pelo menos isso não foi – apesar das várias fotos “vazadas”) ao vivo, com narração do Datena.
E antes que os que espumam de raiva digam alguma coisa, não estou dizendo que Lázaro não deveria ser preso. Não é isso. Pelo menos não nesse regime que temos (a discussão sobre regimes de penas e segurança pública no Brasil é bem mais complexa que imaginamos). Mas que, caso fossem seguidas as normas legais e fosse preso, o caso seria mais bem avaliado, já que sabemos que ele não agiu sozinho. Dormiu tranquilamente em uma fazenda, tinha armas, comida, e foi pego com R$ 4 mil em dinheiro vivo e, provavelmente, não era dinheiro para subornar animais, né?
Mas, voltando à morte cruel e sangrenta, a coincidência de nomes com o amigo que Jesus ressuscitou, me fez pensar em algumas coisas:
É nesse episódio, da morte de seu amigo Lázaro, que está o versículo mais curto do Novo Testamento: “Jesus chorou.” Sim, diante da morte nos cabe o choro, não a festa, não a comemoração. Não há o que comemorar quando um ser humano, ainda que bandido, morra. Mais me espanta ainda que boa parte dos que festejam o desfecho cruel da história sejam exatamente os que se dizem seguidores desse Cristo que chora. E antes que digam que Jesus chorou porque era um amigo, é bom lembrar também do texto que diz que “Deus não tem prazer na morte do homem mau, mas em que ele se converta do seu mau caminho, e viva!”
Ao invés de ouvir o "Lázaro, vem para fora” (Evangelho de João 11.43), sinal de vida e esperança, o que tivemos foi a comemoração de mais um “CPF cancelado”, trágico e perverso bordão que surge fácil das bocas fascistas e milicianas. Um país “cristão” que celebra a morte dos indesejáveis, dos “perigosos” não entendeu nada do Cristo que dizem seguir. E pior, ainda fizeram acusações e associações do jagunço aos cultos de matrizes africanas, aproveitando a comoção social para uma nova enxurrada de mentiras, desrespeito à fé alheia e intolerância. O que aconteceu com o cristianismo brasileiro que se tornou tão violento e distante do Cristo?
Não! Não há o que comemorar nessa história. Até dá para entender o alívio das pessoas da região que estavam aflitas, mas muita dessa aflição era causada exatamente pelo pânico que, parece, muitos queriam que reinasse e fizesse então baixar os preços das propriedades, prato cheio para os verdadeiros bandidos que, por conta da morte do “bandido da ponta”, devem estar sorrindo aliviados agora que não haverá mais confissão e nem investigação. Conseguiram o que queriam. Venceu o medo, a barbárie, o justiçamento, a queima de arquivo.
Todos perdem. A morte de Lázaro é uma denúncia de um sistema de segurança falido, do qual ele escapou diversas vezes, um sistema jurídico falho, uma “política social” que favorece os grandes latifundiários, e uma falência da sensibilidade humana. Lázaro é culpado, sim (ele e todos os envolvidos que jamais saberemos), pelos crimes que cometeu (ninguém está passando pano para isso), mas não temos e nem deveremos ter a pena capital, a morte como paga, como “justiça”. Todos perdemos nessa história. Todos!
Vence o erro, o ódio e, como tem sido tão comum nesses últimos tempos no Brasil, perde a humanidade.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.