Rinaldo César Rigilo tem 46 anos. Pastor da Igreja do Evangelho Quadrangular desde os 16 anos, se destacou desde jovem como liderança cristã, com trabalhos assistencialistas, de arrecadação de recursos de campanhas emergenciais.
Em 2016 foi eleito vereador paulistano pelo Partido Republicano, com 21 mil votos. Conservador, “defensor da família”, da música gospel, membro da “bancada cristã'' - foi articulador de projetos de lei “para ajudar as igrejas” (está no site dele). Isenção de impostos, benefícios irregulares, e tudo o mais. Se filiou ao PSL (então partido do atual presidente) em 2020. E foi reeleito - com apenas 13.700 votos - surfando na onda neofascista.
Temos que falar desse sujeito medíocre - que deveria continuar irrelevante na vida nacional. A razão é simples: a Câmara Municipal da principal capital do país está prestes a aprovar um projeto de lei que inauguraria uma política pública obscurantista, anticientífica, machista e de controle dos corpos das mulheres.
A extrema-direita brasileira não é muito criativa. No geral, importam tudo da direita dos EUA. As campanhas, as bandeiras, as abordagens, e tudo o mais. O neofascismo bolsonarista se aliou ao fundamentalismo religioso. A estratégia de disseminar o pânico moral - abusando das fake news (mamadeira de pirocas e etc.) é base dessa ofensiva reacionária.
O que é o pânico moral? Traduzindo para um papo reto. É uma tática de criação de grandes inimigos que estariam a ameaçar nossa sociedade perfeita e harmoniosa. Como se houvesse uma legião de perigos a rondar os “cidadãos de bem”. É um mecanismo que setores das classes dominantes sempre se utilizam para estigmatizar pobres, pretos, jovens, LGBT.
No Brasil, desde pelo menos a campanha de 2010 (Dilma x Serra), passando pelo veto ao “Escola sem Homofobia” (2011), quando os fundamentalistas evangélicos encurralaram o governo petista - até 2018 (eleição Bolsonaro), o pânico moral se tornou arma poderosa da extrema-direita.
O foco deles? Transformaram a luta pelos direitos das mulheres e da população LGBT em ataques às “famílias” e às “crianças”. Importaram o conceito de “ideologia de gênero” para confundir toda discussão. Criaram as figuras tenebrosas das “feminazis” e dos "gayzistas'' – que ameaçavam toda sociedade para nos levar a uma “ditadura gay”.
Milhões de trabalhadoras e trabalhadores – além de uma classe média branca sempre suscetível a discursos reacionários - foram arrastados nesse tsunami moralista, demagógico, hipócrita e extremista. Foi assim que Bolsonaro se elegeu - cavalgando/potencializando uma onda conservadora. Entre 2014 e 2020 um bando de gente virou parlamentar surfando aí. E o debate nacional girou à direita - em muitos graus.
Direitos ou lições de moral?
O tal Rinaldi só segue Damares. Que, por sua vez, segue a direita cristã norte-americana. Abstinência sexual como estratégia de prevenção à gravidez e às doenças sexualmente transmissíveis é uma posição moralista, descartada há décadas pela ciência, pelos movimentos sociais e pelos organismos internacionais.
Há tempos os fóruns de direitos humanos da ONU, da OEA, as universidades, os movimentos feministas e LGBT consolidaram o conceito de direitos sexuais e reprodutivos. São parte fundamental dos direitos humanos.
Direitos sexuais são os que garantem que toda e qualquer pessoa possa viver sua vida sexual com prazer e livre de discriminação. Que possam viver sua sexualidade sem medo, vergonha, culpa e outros impedimentos à livre expressão dos desejos e de suas identidades.
Trata-se do do dreito de viver a sua sexualidade independente do estado civil, idade ou condição física e escolher o/a parceiro/a sexual sem discriminação, e com liberdade e autonomia para expressar sua orientação sexual e identidade de gênero. Direito a prática do sexo seguro para prevenir uma gravidez não planejada e também doenças sexualmente transmissíveis, incluindo o HIV-Aids; Direito à saúde sexual: ou seja, ao acesso a todo tipo de informação, educação e a serviços confidenciais de alta qualidade sobre sexualidade e saúde.
Já os Direitos Reprodutivos compreendem o direito básico de todas as pessoas, sobretudo as mulheres, decidir livre e responsavelmente sobre o número e a oportunidade de ter ou não filhos/as. Tendo os meios de assim o fazer, gozando do mais elevado padrão de saúde sexual e reprodutiva. São os direitos individuais de mulheres e homens em decidir sobre se querem ou não, ter filhos/as. Em que momento de suas vidas e quantos/as filhos/as desejam ter - decidindo livremente sobre a reprodução, livres de discriminação, coerção ou violência. Mulheres e homens participando com iguais responsabilidades na criação dos/as filhos/as - contando com um sistema de saúde pública gratuito, de qualidade e acessível.
Desde a Constituição de 1988 - e a criação do SUS - o Brasil seguia nessa linha de garantia de direitos –, com altos e baixos. Mas pós golpe de 2016, o obscurantismo ganhou força crescente. Esse projeto de lei do tal Rinaldo faz parte desse quadro geral de horrores.
Camisinha x virgindade
A direita odeia sexo. Odeia prazer. Ou odeia que as pessoas façam sexo (ou falem sobre sexo) - a gente isso sabe desde sempre. A repressão sexual - machista, homofóbica, moralista - é base de todo e qualquer programa conservador, reacionário, fundamentalista cristão e/ou fascista. A chave é sempre a hipocrisia sexista, a pregação religiosa que se sustenta sobre um deus patriarcal punidor, a interdição do corpo, o medo do gozo, a violência contra as mulheres, o ódio às sexualidades e identidades não convencionais.
A direita norte-americana inventou essa propaganda reacionária: “decidi esperar”. Um troço tosco para reprimir a sexualidade das adolescentes, sobretudo. (Aliás, a coisa é tão fake e hipócrita que há setores que estimulam as meninas a praticar sexo anal como alternativa para preservar a virgindade). Os defensores da vida se rasgam contra a interrupção da gravidez, mas não estão nem aí para os meninos e meninas pobres que nascem todos os dias.
Na discussão das políticas anti-Aids tivemos uma dura batalha contra os governos republicanos dos EUA que inventaram e exportaram mundo afora a tal política ABC (abstinence, be faithful or condom). Ou seja: não faça sexo, se fizer é só com uma pessoa - e camisinha é a última alternativa. No Brasil, nós nunca seguimos essa linha. A política do SUS - desde o governo Sarney foi modelo para o mundo no enfrentamento à epidemia do HIV-AIDS. Direitos humanos, diversidade, prevenção, respeito às pessoas, assistência, acolhimento, medicação para todas.
Ou seja: nunca as políticas de saúde no Brasil caíram nessa bobajada de mandar as meninas ficarem virgens esperando o príncipe encantado. Sempre o foco foi na prevenção, no uso da camisinha, dos contraceptivos, no autocuidado.
Nossos problemas com gravidez na adolescência são grandes. Como são imensas as ocorrências de feminicídio, estupro, abuso sexual. Somos um país machista, homofóbico, violento, sexista, transfóbico.
Monitorar as minas
Voltando ao projeto do tal Rinaldo - corajosamente combatido por Juliana Cardoso (PT). A única vereadora do PT que se ergueu contra a onda fascista da ideologia de gênero lá em 2015 - orgulho da esquerda.
O PL original falava em uma semana de conscientização sobre gravidez precoce. Até aí, tudo bem. Mas, no substitutivo, o reaça avançou muito. Vejam que a nova versão do projeto propõe:
“monitoramento de possíveis casos para avaliação e cuidado, promovendo a interdisciplinaridade entre os profissionais que irão atuar no segmento. As escolas de ensino público e privadas poderão celebrar acordos de cooperação e parcerias com UBS (unidades Básicas de Saúde), hospitais, organizações não governamentais, e outras entidades afins para a implementação dos objetivos pretendidos previstos”.
Parece o livro/série The Handmaid's Tale (O conto da Aia) - distopia sobre uma sociedade ditatorial fundamentalista religiosa. O obscuro edil do PSL quer monitorar as meninas grávidas, com objetivo de reduzir a gravidez precoce, sobretudo entre os mais vulneráveis.
Ao invés de promover a educação sexual e os direitos das crianças e adolescentes com informação, prevenção, diálogo, empoderamento e autonomia, querem propagandear escolhas morais e vigiar as pretas e pobres que engravidam (sim, “vulneráveis” significa isso). Lembrando que esses machistas negam o direito das mulheres de decidirem sobre a continuidade ou não de uma gravidez.
Que os vereadores da esquerda, da direita liberal e do centro barrem essa maluquice bolsonarista na principal Câmara de Vereadores do Brasil.
Força, Juliana Cardoso!
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.