O genial Sérgio Porto (1923-1968) usou como poucos o humor no jornalismo e na política. Adversário da ditadura desde o seu primeiro dia, Sérgio criou personagens inesquecíveis e era ferino em suas críticas. Com um desses personagens, Stanislaw Ponte Preta, assinava artigos satíricos no jornal ‘Última Hora”.
Sua pena era implacável. É dele a frase: “Ou restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos”, zombando do moralismo com que os militares tentavam esconder os casos de corrupção, abafando-os com a censura.
Stanislaw levava ao limite a compreensão de que ao cair no ridículo o homem público está lascado. Talvez conhecesse um ditado popular muito usado no Chile: “Del ridículo no hay vuelta”. Numa tradução livre, a frase seria algo como: “Caiu no ridículo, está frito”.
O humor fere fundo na política. Basta ver o papel do semanário “Pasquim” no desgaste do regime militar. O jornal criou, inclusive, uma forma criativa de denunciar a censura a que a imprensa era submetida. Publicava em sua primeira página um cartaz com os dizeres: “Enquanto este aviso estiver aqui, o Pasquim não está sob censura”.
Nos momentos em que o cartaz sumia, os leitores imediatamente deduziam que aquele número tinha sido censurado. Quase todos...
Pois o governo Bolsonaro seria um prato cheio para Stanislaw.
É uma situação ridícula seguida de outra.
Ainda que – sendo um governo de destruição nacional, como é – seria melhor que os males do bolsonarismo se limitassem às situações ridículas a que submete o país.
É um verdadeiro Febeapá – para usar outra expressão de Stanislaw. Os mais velhos, mas também muitos moços, saberão o significado de Febeapá: o festival de besteiras que assola o país.
Na terça-feira desta semana, a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde de Bolsonaro, Mayra Pinheiro, conhecida como “capitã cloroquina” - tal a volúpia com que pregava o uso desse medicamento ineficaz e perigoso contra o coronavírus – depôs na CPI que investiga a política do governo Bolsonaro no combate à Covid-19. Mentiu aos borbotões.
E se viu ridicularizada quando o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) exibiu uma intervenção sua gravada referindo-se aos obeliscos da belíssima fachada do prédio da Fiocruz – por sinal, tombado – como sendo imagens do órgão sexual masculino. O que a moça viu como pênis eram simplesmente obeliscos inspirados numa arquitetura mourisca.
Sabe-se que a fixação sexista dos bolsonaristas, a começar pelo próprio Bolsonaro – que repete sempre ser “imbrochável” – é uma característica que os marca. O que se vai fazer?
Sorte dessa gente que Stanislaw não estar mais entre nós. Ele seria implacável com essa mais do que suspeita fixação.
Enquanto isso, as situações ridículas se multiplicam.
Vários generais, ministros do governo Bolsonaro, admitiram que se vacinam em segredo, para não contrariar o presidente. Como se fossem meninos fazendo coisas escondidas do pai...
O também general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde que se tornou um símbolo da (falta de) política para enfrentar a pior crise sanitária da história do Brasil, mentiu reiteradas vezes na CPI e não ficou corado. Será convocado mais uma vez para depor, tal a quantidade de contradições, lorotas comprovadas e tergiversações.
Sem qualquer formação específica na área de Saúde, assumiu a pasta interinamente em junho de 2020, sendo efetivado em setembro. Ficou no cargo até março deste ano. Saiu com o número de mortes multiplicado muitas vezes.
Pois depondo na CPI do Coronavírus na semana passada, Pazuello se viu diante da pergunta: “Por que o senhor deixou o Ministério da Saúde?” A resposta foi curta e grossa. E inacreditável: “Missão cumprida”.
É como se, numa guerra, um general substituído depois de perder todas as batalhas afirmasse que deixou o comando porque já tinha cumprido a sua missão.
Como se vê, este governo envereda, cada vez mais, pelo “perigoso terreno da galhofa” - para lembrar outra expressão criada pelo saudoso Stanislaw.
Falando nisso, numa boa, general Pazuello, qual era mesmo a sua missão, cara pálida?
**Esse artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.