Software espião que Brasil quer comprar é um vírus – Por João Cassino

A notícia tem gerado enorme repercussão no meio político. Não sabemos se, depois da denúncia do UOL, o Ministério da Justiça seguirá com a licitação

Imagem: PC Magazine (Reprodução)
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O governo brasileiro estaria interessado em adquirir um software espião com a capacidade de vasculhar dados em dispositivos tecnológicos de ativistas e opositores, segundo informação publicada ontem (19), pelo portal Universo Online[1]. A compra seria feita por meio do edital nº 03/2021, do Ministério da Justiça. Segundo a matéria do UOL, o objetivo seria conseguir licenças de um programa de inteligência chamado Pegasus, produzido pela empresa israelense NSO.

Trata-se de uma companhia que, de acordo com sua própria definição, trabalha inteligência cibernética para segurança global e estabilidade. Eles se consideram desenvolvedores de tecnologias que ajudam governos a prevenir e a investigar terrorismo e outros crimes. E não é uma empresa insignificante. Em sua página web oficial[2], a NSO compartilha uma pesquisa em que estaria na 32ª posição dentre as 50 empresas mais desejáveis para se trabalhar em Israel. O ranking teria sido preparado pela Keshet TV.

Dentre outros produtos de destaque da empresa, há uma plataforma antidrone desenhada para detectar, tomar o controle e pousar veículos aéreos não tripulados que não tenham autorização de voo sobre uma determinada região. A NSO também trabalha em softwares, desde 2020, que cruzam dados capturados de aparelhos celulares e de saúde pública, buscando identificar pessoas contaminadas por Covid-19 e encontrá-las.

Há alguns temas delicados que perturbam a direção da NSO. Um deles é a política de direitos humanos. Dizem estar alinhados aos princípios da Organização das Nações Unidas para negócios e direitos humanos, que atuam com altos padrões éticos para prevenir e mitigar riscos decorrentes de seus produtos. E que haveria atenção especial para proteger indivíduos ou grupos de elevados perigos de vigilância digital arbitrária e interceptação de comunicações. Como posição institucional, tudo muito bonito.

No entanto, a Anistia Internacional denunciou a NSO Group, em junho de 2020, por usar o software espião contra jornalistas do Marrocos, justamente poucos dias após a empresa se dizer comprometida com os direitos humanos[3]. Após análise forense do telefone do jornalista marroquino Omar Raidi, feito pela Amnesty Tech, verificou-se que seu celular havia sofrido ataques por “injeções de rede”. Significa que pacotes de dados são inseridos em uma rede de computadores para interferirem no fluxo normal de comunicação. Com isso, pode-se monitorar, interceptar e manipular o tráfico de Internet de alguém. Ganha-se acesso a todas as mensagens telefônicas, correio eletrônico, microfone, câmera, aplicativos bancários, chamadas e contatos.

O software Pegasus funciona como outros vírus ou códigos maliciosos. Precisa ser instalado, geralmente ludibriando o usuário, fazendo com que baixe algum aplicativo que funcione como cavalo de troia – que diz ter uma função, mas serve para preparar a intrusão – ou pelo acesso a algum link enviado por SMS ou aplicativos como WhatsApp. Agentes de inteligência também podem atacar e instalar o Pegasus em alvos determinados explorando vulnerabilidades de segurança de sistemas operacionais de aparelhos celulares.

A notícia tem gerado enorme repercussão no meio político. Não sabemos se, depois da denúncia do UOL, o Ministério da Justiça seguirá com a licitação. Se seguir, significa que o contribuinte brasileiro estará pagando com seus impostos por um vírus que debilita a democracia.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.


[1]     https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2021/05/19/briga-entre-militares-e-carlos-bolsonaro-racha-orgaos-de-inteligencia.htm

[2]     https://www.nsogroup.com

[3]     https://www.amnesty.org/en/latest/news/2020/06/nso-spyware-used-against-moroccan-journalist/