Por Gizele Martins *
(Este é o primeiro artigo da série especial Conexão Rio de Janeiro-Jerusalém, do blog Terra em Transe)
No dia 15 de maio, logo pela manhã, deparei-me com uma postagem compartilhada no Facebook de um palestino: era a imagem de uma criança palestina morta por causa dos bombardeios israelenses em Gaza. A criança segurava uma moedinha na mão. Logo lembrei de um caso que ocorreu em 2008, no Conjunto de Favelas da Maré, no Rio de Janeiro, quando o menino Matheus Rodrigues, de apenas 8 anos, ao sair de casa para comprar pão levou um tiro da Polícia Militar e morreu na porta de sua casa. Ele também segurava em uma de suas mãos uma moedinha de um real. Neste dia na Maré, lembro que para reprimir a população que protestava contra o assassinato, a mesma polícia que matou Matheus voltou ao local com o carro blindado para afastar os manifestantes.
São infâncias perdidas dentro de dois territórios que sobrevivem ao massacre cotidiano ocasionados pelo racismo, pela militarização e o apartheid. Infelizmente, são muitas as semelhanças que ligam as duas realidades. Há uma semana, por exemplo, em uma operação policial ocorrida na favela do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio de Janeiro, 28 pessoas foram assassinadas e inúmeras outras ficaram feridas. A operação durou mais de 24h e todo o massacre foi televisionado pelas mídias comerciais como um grande espetáculo. Além da chacina, sendo considerada a mais letal da história da cidade do Rio de Janeiro, vários outros moradores tiveram suas casas invadidas, roubadas entre outros abusos policiais que também ocorreram nesse triste dia.
Na Palestina, há mais de uma semana, o mundo assiste pelos jornais o massacre, os bombardeios em Gaza, as mortes e toda a opressão que o povo palestino vem sofrendo neste momento em seus territórios. Os últimos ataques em Gaza já deixaram centenas de mortos, inclusive crianças, além de milhares de feridos. O Estado israelense, há décadas, faz do povo palestino um grande laboratório de “política militar” e da morte. As técnicas utilizadas ali são vendidas para todo o mundo, inclusive, para o Brasil.
As técnicas militares e os aparatos bélicos que matam na Palestina são similares aos que matam as populações negra e pobre nas favelas cariocas. Exemplos destas técnicas militares e dos aparatos bélicos que experimentados lá na Palestina são vendidos e experimentados nas favelas, é que tanto no caso do Matheus, na Maré, quanto no caso da operação policial ocorrida na semana passada no Jacarezinho, houve uso de carros blindados da polícia, chamados popularmente pelos moradores de favelas de caveirões. Além do uso do caveirão terrestre na chacina do Jacarezinho, helicópteros blindados também foram utilizados, sendo os mesmos utilizados na Palestina. Além disso, anos atrás, durante os megaeventos, a Polícia Militar do Rio fez treinamento em Israel. Nos últimos dez anos, foram inúmeras as trocas entre o governo brasileiro e o governo israelense, o que fez até o Brasil ser um dos cinco maiores compradores de armas israelenses do mundo.
O povo palestino, assim como os moradores de favelas do Rio, vive sob ataque militar diariamente e isto é parte de uma política racista e de dominação de terras. Realidades como estas são insuportáveis para quem vivencia. Para além das chacinas, dos assassinatos, das remoções, das negações de direitos à água, à saúde, à vacina e de tantas outras violações cotidianas em nossos territórios, quem sobrevive a tudo isso precisa conviver com os traumas psicológicos e com o medo constante, já que somos alvos e considerados povos inimigos dos Estado racistas. Fato é que se temos em comum tantas violações cometidas pelos Estados, temos que cada vez mais fortalecer a nossa luta sendo solidários um ao outro, afinal, as armas que matam lá são as mesmas que matam na favela. Lutemos contra as políticas militares e das mortes, lutemos juntos, da Palestina às favelas do Rio, pelo direito à vida! É pela vida!
*Gizele Martins é jornalista e mestre em Educação, Cultura e Comunicação em Periferias Urbanas. Integrantes do movimento de favelas do Rio de Janeiro e autora de “Militarização e censura: a luta por liberdade de expressão na favela da Maré”.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.