Brasil atrasa pagamentos ao Novo Banco dos BRICS e perde espaço na instituição – Blog Terra em Transe

Até janeiro de 2019, o Brasil possuía apenas 8% dos empréstimos fornecidos pelo NDB. A maior parte do montante aprovado para o Brasil ocorreu ao longo de 2020 no contexto da pandemia global de Covid-19

Foto: The Economist (Reprodução)
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Por Laerte Apolinário Júnior *

O governo brasileiro já acumula dívidas com organismos internacionais que passam dos R$10,1 bilhões. Os débitos se referem a uma lista grande de instituições, como Organização Mundial da Saúde (OMS), Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), além de uma gama de bancos multilaterais de desenvolvimento. Dentre os bancos multilaterais, chama a atenção a dívida com o “Banco dos BRICS”, dado o esforço diplomático realizado ao longo da última década para sua criação.

O “Banco dos BRICS”, oficialmente “Novo Banco de Desenvolvimento (NBD)”, foi criado em 2014, pelos países do BRICS - Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul -, entrando em funcionamento no ano seguinte. É fruto de uma investida por parte dos BRICS em institucionalizarem a coalizão, e aumentarem suas vozes nas discussões sobre a reforma do sistema financeiro internacional. Os debates que levaram a sua criação ocorreram em um contexto de emergência econômica e política por parte desses países.

O NDB foi estabelecido com um capital autorizado de US$ 100 bilhões, e subscrito de U$50 bilhões (capital pago no valor de US$ 10 bilhões e capital exigível no valor de US$ 40 bilhões), com a missão de financiar projetos de infraestrutura no mundo em desenvolvimento. A organização foi concebida de modo a se diferenciar das instituições financeiras tradicionais de Bretton Woods, criadas no pós-2ª Guerra, como o Banco Mundial, em termos de mandato, atuação e estrutura decisória. Nesse sentido, o NDB teria como escopo a temática do desenvolvimento sustentável, sendo instituído a partir de contribuições igualitárias por parte de seus cinco membros, de modo a ser liderado apenas por países em desenvolvimento, com os BRICS como protagonistas.

No ato de sua criação, ficou acordado que cada país membro arcaria com suas obrigações financeiras junto à instituição a partir do pagamento de sete parcelas entre 2016 e 2022, somando um total de US$2 bilhões por membro. Para o aumento contínuo do capital e capacidade operacional da organização, outras fontes de recursos deveriam ser mobilizadas ao longo dos anos, seja pelo aumento de capital feito pelos próprios países fundadores, seja pela entrada de novos sócios, seja por meio de operações nos mercados de capitais.

Em termos de atuação, o NDB cumpriria seu papel no financiamento internacional, levando-se em conta tanto as imensas carências de infraestrutura nos países em desenvolvimento, quanto os Objetivos da Agenda do Desenvolvimento Sustentável no contexto da Agenda 2030. Ademais, a organização fortaleceria a aliança entre os países do BRICS, aumentando sua influência e presença na governança da arquitetura financeira global, demanda que havia sido apresentada nas reuniões do G20 após a crise de 2008.

Nos últimos anos, o NDB conseguiu avaliações de risco de longo prazo AAA da agência chinesa China Chengxin International Credit Rating, da russa Analytical Credit Rating Agency, e da japonesa Japan Credit Rating Agency, além de avaliações AA+ das americanas S&P Global Ratings e Fitch Ratings. Até 2 de Abril de 2021, o banco aprovou 73 projetos, totalizando U$28,5 bilhões nos cinco países que compõem o BRICS. Em termos geográficos, atualmente a Índia é o maior receptor em termos de valores emprestados (24%), seguida de China (23%), África do Sul (19%), Brasil (18%) e Rússia (16%).  Em termos de distribuição setorial, os projetos se dividem em energia limpa (12%), desenvolvimento urbano (12%), eficiência ambiental (4%), infraestrutura social (4%), infraestrutura de transporte (21%), energia (2%), infraestrutura digital (1%), assistência emergencial (32%) e áreas múltiplas (5%).

Gráfico 1. Atuação do NBD por país e área de operação


                Fonte: NDB, 2021.           

Até janeiro de 2019, o Brasil possuía apenas 8% dos empréstimos fornecidos pelo NDB. A maior parte do montante aprovado para o Brasil ocorreu ao longo de 2020 no contexto da pandemia global de Covid-19. Dos U$5,13 bilhões aprovados para o Brasil até hoje, cerca de U$ 2 bilhões correspondem a dois empréstimos realizados junto ao governo federal, um aprovado em julho de 2020 e outro em dezembro de 2020, para o financiamento do programa de auxílio emergencial adotado durante a pandemia. Os demais financiamentos aprovados para o Brasil vão desde projetos voltados à produção de energia renovável, à construção e aprimoramento de entradas, esgotamento sanitário, telecomunicações, infraestrutura de refinarias e escolas, ao financiamento de fundos de mitigação às mudanças climáticas como o “Fundo Clima” (NBD, 2021).

Destaca-se que apesar dos recursos aprovados para o Brasil, e do país ter se tornado um receptor líquido de recursos do NDB frente aos desembolsos realizados, o país se encontra inadimplente junto à instituição. Das sete parcelas acordadas, o Brasil está em atraso no pagamento da sexta parcela de R$292 milhões, devendo, ao todo, U$350 milhões. Desde o início de 2021, o compromisso com o NDB não é honrado por falta de dotação orçamentária. Justamente quando um brasileiro, Marcos Troyo, ocupa a cadeira de presidente da instituição. O governo não foi capaz de manter no Projeto de Lei 29 a suplementação orçamentária para garantir o pagamento. Na votação, o dinheiro foi remanejado para obras e emendas de parlamentares, de interesse da base aliada do governo. Em nota divulgada no início desse ano, o Ministério da Economia culpabilizou o Congresso pelo atraso. O presidente da Câmara na época, Rodrigo Maia, reagiu à nota destacando que seria prática comum do governo transferir suas responsabilidades.

O calote brasileiro tem repercutido na imprensa internacional. O não pagamento torna o Brasil o único membro a não honrar seus compromissos com a organização. Para além do desgaste à imagem internacional do país, o calote incorre na perda de votos na instituição, no percentual equivalente à dívida, até que o débito seja quitado.

Gráfico 2. Poder de voto de cada membro no NBD

Fonte: NDB, 2021. Disponível em: https://www.ndb.int/projects/list-of-all-projects/approved-projects/

Assim, dentre os desafios enfrentados pelo NBD, soma-se a falta de prioridade dada à organização por um de seus membros. Nos últimos anos, o governo Bolsonaro tem preterido as relações com o BRICS. Para além do discurso “anti-China” de Bolsonaro, esse distanciamento tem se traduzido também no enfraquecimento de instituições multilaterais fundadas entre esses países. Em um primeiro momento, o não pagamento não impacta o desembolso dos recursos aprovados para o Brasil. No futuro, porém, a redução da importância do país na organização pode impactar na aprovação de novos empréstimos para o país, em um momento, em que o país se encontra carente de investimentos, em especial, no setor de infraestrutura. Por fim, a postura brasileira acarreta a perda de credibilidade do país no cenário internacional, podendo influenciar também nas avaliações de risco da própria instituição.

*Laerte Apolinário Júnior é professor do Departamento de Relações Internacionais da PUCSP

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.