Não sei se é por dissincronia histórica, por um déficit de duas décadas pros grandes acontecimentos mundiais acontecerem por aqui, mas enxergo um delay (gostei do termo pra expressar "atraso") nas expectativas da população brasileira no que diz respeito aos seus governantes. Explico.
Collor foi eleito depois de anos de ditadura de Estado. Não era um Estado per si, mas uma camarilha de militares a serviço do capital privado. Só que o sentimento coletivo desejou uma era de liberdade, de liberalismo, ainda que para tanto se devesse sacrificar o patrimônio público. Ele não desmontou o Estado, não tangeu os marajás, só pobres barnabés, foi arrogante, corrupto e incompetente. Cumpriu a sina de seus antecessores (e padrinhos), os militares.
FHC foi eleito depois do tampão Itamar com a esperança nacional de se ter, finalmente, um presidente de quem se orgulhar, um governante respeitado no panorama internacional, com livre trânsito entre os chefes de Estado e que elevaria a autoestima do brasileiro. Não cumpriu a expectativa que lhe foi depositada. Antes fez, às avessas, o que era esperado de Collor: desmontou o Estado, vendeu a soberania nacional ao capital estrangeiro, foi vassalo, covarde e traidor, em especial com o povo que conscientemente acreditou em seu intelectualismo uspiano.
Lula o sucedeu, eleito, com uma expectativa negativa, de temeridade. Significativa parcela dos brasileiros médios achavam que o país cairia no desgoverno devido à falta de preparo, de cultura, da grosseria de um tosco operário. Mas não foi o que se viu, antes, ele cumpriu a expectativa depositada no torpe FHC, brilhou entre os líderes mundiais, elevou o nível de vida no país a patamares não vistos antes, tornou o Brasil um protagonista.
A expectativa de grosseria, incompetência, brutalidade e desgoverno veio se cumprir com o genocida que ora ocupa, ilegalmente, por força de um golpe que fraudou a eleição, a cadeira presidencial. Mas ele foi eleito, na verdade, com uma expectativa única: vingança. O idiota clássico, o eterno ridicularizado, quis dar seu grito de independência, superar anos de silêncio imposto pela redemocratização. Veio com ímpeto de eliminar o que entendia por inimigo, seu antípoda de esquerda, os estudantes, professores, intelectuais que o faziam sentir-se menor, e as minorias, que lhe tomaram o protagonismo. Bolsonaro não vingou seu eleitorado, antes desnudou-lhe a condição de desumanidade e incidadania.
Eu prevejo que o próximo presidente, embora vá ser eleito com a expectativa média de reconciliador, será sim o grande vingador histórico. Vai perseguir, aniquilar, destruir o que sobrar dessa sombra de crimes que a ditadura impôs à nação brasileira, falir os empresários que apoiaram essa barbárie, tornar o bolsonarismo um estigma, uma letra escarlate na testa de cada pessoa que apoiou a monstruosidade. Não será o grande conciliador, passou o tempo da conciliação, parafraseando Itamar Vieira Junior. O Brasil precisa resgatar essa dívida histórica, punir seus algozes, dar o exemplo pra que o fascismo não rebrote aqui. Só então, feita a limpa, poder-se-á falar em pacto nacional.
*Esse artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.