Por Isabela Agostinelli *
Quando se fala em sanções ou embargos internacionais, é comum pensar que se tratam de alternativas não militares com fins políticos, como de exercer pressão a determinado país ou organização estrangeira para que haja mudanças em sua forma de governo. As sanções econômicas, por exemplo, ao imporem restrições comerciais, podem parecer uma maneira não violenta de punição. Um exemplo é a restrição ou veto na importação ou exportação de armamentos, alimentos e medicamentos, bem como a proibição de investimentos na nação alvo das sanções. Mas, o que as sanções efetivamente significam para a vida cotidiana da população comum?
Na última terça (16), o grupo de feministas iranianas-americanas No Sanctions on Iran Coalition organizou um webnário para discutir os efeitos letais das sanções impostas ao Irã, trazendo como comparação as experiências iraquianas e palestinas (em especial da Faixa de Gaza). A proposta foi contextualizar e analisar as atuais dinâmicas da geopolítica do Oriente Médio, levando em consideração de que maneiras as sanções econômicas, em grande parte orquestradas pelos EUA, impactam severamente as vidas das populações desses países.
Intitulado "Deadly Iran Sanctions: Lessons Learned from Iraq and Palestine" (Sanções Fatais ao Irã: Lições Aprendidas com Iraque e Palestina), o evento teve como painelistas Noura Erakat, advogada de direitos humanos e professora no Departamento de Estudos Africanos da Rutgers University (EUA); Zainab Saleh, professora de Antropologia na Haverford College (EUA); Negar Mortazavi, jornalista e analista política em Washington D.C. (EUA); e Assal Rad, doutora em História do Oriente Médio pela Universidade da Califórnia (EUA). Veja o evento na íntegra (disponível apenas em inglês).
Organizado em forma de perguntas e respostas, o webinário teve como proposta lançar luz aos efeitos letais das sanções impostas principalmente pelos EUA ao Irã – consideradas pelo grupo organizador uma "guerra com outro nome". Prática comum de grandes potências no Oriente Médio nas últimas décadas, as sanções também foram/são realidade no Iraque e na Palestina.
Sanções ao Irã: alternativa humanitária ou "guerra invisível"?
Foco no tema do evento, o Irã começou a sofrer sanções por parte dos EUA em 1979, após a Revolução Iraniana. Em 2006, o Conselho de Segurança da ONU também impôs sanções ao país, a fim de enfraquecê-lo e forçá-lo a abandonar o programa de enriquecimento de urânio. O setor energético é o maior alvo dos EUA, em especial o petróleo, e isso impacta outros setores, como o de transportes.
Em 2015, um acordo nuclear entre Irã e seis potências (Alemanha, China, EUA, França, Reino Unido e Rússia) previa o desmantelamento do programa nuclear iraniano em troca do encerramento das sanções. Em 2018, o ex-presidente americano Donald Trump se retirou do acordo e restabeleceu as sanções, impactando duramente as exportações de petróleo. Em abril de 2018, antes de Trump sair do acordo, o Irã exportava cerca de 2,5 milhões de barris de petróleo por dia – em 2019, as exportações caíram em 89%, para 260 mil por dia.
Os efeitos na vida cotidiana da população são inúmeros. A jornalista Negar Mortazavi, uma das painelistas do evento, comentou que o impacto devastador da economia do petróleo fez aumentar a inflação (35% ao ano), o desemprego (16,8% em 2021) e os níveis de pobreza (55% da população abaixo da linha da pobreza). Com isso, o poder de compra fica cada vez mais limitado. Em matéria publicada pela BBC em 2018, cidadãos do Irã expressaram os impactos das sanções em seu dia a dia: Mohammad, um habitante do sudeste do Irã, se preocupa com o aumento dos custos de importação de materiais, o que impacta severamente a manutenção de sua pequena empresa de tapetes. Vahid, outro iraniano, luta para conseguir comprar uma casa. Já em termos de alimentação, o preço de alimentos como tomate e frango aumentou em 80%. O setor de saúde não ficou isento: o acesso a medicamentos ficou comprometido tanto pela escassez de remédios quanto pelo aumento no preço.
Por outro lado, há quem se beneficie disso. Parte da elite iraquiana (clérigos, diplomatas, oficiais da Guarda Revolucionária) se beneficia dessa tensão com o "Ocidente". Com a continuação da má administração do governo, a falta de transparência e a corrupção, Mortazavi alegou não ter visto nenhuma mudança positiva significativa que viria com as sanções – elas apenas fizeram setores da elite iraniana mais ricos. Mesmo com as sanções, a elite militar continuou recebendo fundos para suas atividades domésticas e internacionais, notadamente na Síria. Jovens privilegiados da elite também são alvo de críticas por conta de seus estilos de vida ostentativos, que incluem festas e viagens extravagantes e itens de luxo.
Diante do clima geral de insatisfação, manifestantes foram às ruas contra o governo iraquiano, em 2019, mas foram duramente reprimidos.
Naturalização das sanções: experiências no Iraque e Palestina (Gaza)
O que acontece no Irã não é novidade. Outros espaços do Oriente Médio, como o Iraque e a região de Gaza, na Palestina, já sofreram e/ou sofrem com sanções de grandes potências. Apesar de suas diferenças e particularidades, Irã, Iraque e Palestina têm um ponto em comum: o imperialismo norte-americano no Oriente Médio.
Após a invasão do Iraque ao Kuwait em 1990 e a Guerra do Golfo, o Conselho de Segurança da ONU impôs duras sanções ao Estado iraquiano até 2003, com a invasão dos EUA e início do processo de "reconstrução". Com o corte de relações comerciais e de qualquer apoio financeiro, o Iraque ficou completamente isolado. Os efeitos na vida cotidiana da população foram drásticos e impactaram uma geração inteira. Por conta da falta de alimentos, a má-nutrição aumentou severamente e mais de 227 mil crianças morreram entre 1991 e 1998.
Ao falar da experiência iraquiana, a professora Zainab Saleh, outra painelista do evento, afirmou que sanções como uma guerra invisível. Ela comentou que, dos anos 1990 aos anos 2000, o sistema de saúde e de educação no Iraque entraram em colapso. No setor da saúde, o acesso a medicamentos e tratamento médico ficou prejudicado – pessoas com câncer não conseguiam se tratar. Já o sistema de educação sofreu, por exemplo, com a debilitação da infraestrutura das escolas – faltavam materiais simples, como lápis, que foram proibidos de serem importados por serem considerados de "uso duplo". Saleh comentou que a educação ficou comprometida por conta da falta de professores, que pararam de dar aulas em escolas para tentar ganhar uma quantidade suficiente de dinheiro dando aulas particulares para sobreviverem.
Segundo Saleh, um dos maiores problemas, e que impactou direta ou indiretamente todas as esferas da vida, foi a inflação: pessoas sofreram com a diminuição drástica dos salários – quando não perdiam o emprego – e as poupanças praticamente desapareceram. Com isso, o acesso a alimentos ficou extremamente precarizado, pois a população não tinha mais poder de compra. Em determinado momento, a sobrevivência só foi possível pela distribuição de rações pelo governo iraquiano.
Para outra painelista do evento, a advogada e pesquisadora Noura Erakat, as sanções provocam cenários devastadores. Erakat abordou a situação atual da Faixa de Gaza, na Palestina, que desde 2007 está bloqueada e cercada por Israel e Egito.
Na visão de Erakat, as sanções não são uma alternativa à guerra – elas são a própria guerra, mas feita por outros meios. Sanções, embargos, bloqueios, cercos, todos eles são, para Erakat, um modo de guerra. É uma política deliberada, feita em nome da segurança. No caso da Faixa de Gaza em particular, e da Palestina em geral, o que se objetiva com as sanções e o bloqueio não é meramente a diminuição do poder do Hamas (grupo político que controla Gaza e é considerado por Israel e aliados um grupo terrorista). O que se quer é a rendição dos palestinos.
Atualmente, depois de 14 anos de bloqueio, 50% da população de Gaza vive abaixo da linha da pobreza. O desemprego ultrapassa a marca dos 70%. A região não tem acesso adequado e suficiente a água, tratamento de esgoto e energia elétrica, e um relatório da ONU, já em 2012, alertava que Gaza se tornaria inabitável em 2020. A disponibilidade de energia elétrica por apenas oito a dez horas por dia produz danos severos ao sistema de saúde já debilitado.
As restrições à circulação de pessoas e certas mercadorias, como alimentos e medicamentos, também impede que a população de Gaza tenha uma vida digna. Pacientes com câncer sofrem pela falta de estrutura médica e por muitas vezes serem impedidos de sair da região para buscar tratamento em outros lugares, sendo assim deixados à própria sorte.
Com isso, é cada vez mais comum encontrarmos depoimentos de palestinos de Gaza afirmando que vivenciam uma situação de morte lenta e sufocamento, com possibilidades de uma vida suficientemente digna fora do horizonte.
A morte no centro da esfera política
De Gaza ao Irã, é possível perceber que as sanções, e suas consequentes punições coletivas, dialogam muito mais com a morte do que com a vida – uma morte lenta, decorrente dos efeitos de violência estrutural e que seria diferente de uma morte "rápida", comum em combates militares diretos. As populações do Irã, Iraque e Palestina são praticamente deixadas para morrer, como apontou Erakat em um momento final do evento. Assim, as sanções aparecem como políticas de morte que visam fazer determinada população entrar à beira do colapso.
Por outro lado, há aquelas sanções que visam justamente o contrário. A campanha global Boicote, Desinvestimentos e Sanções (BDS) é uma maneira importante e inteligente de resistir aos esforços coloniais de Israel na Palestina ao articular apoios internacionais de pressão para o fim da ocupação israelense, o estabelecimento de igualdade de direitos para os árabes-palestinos em Israel e o direito de retorno dos refugiados palestinos expulsos de suas terras em 1948. É importante lembrar que o BDS e as sanções dos EUA ao Iraque e Irã são incomparáveis, pois os níveis de poder são muito assimétricos. Se as sanções econômicas criam danos à população sancionada, o BDS visa o oposto: acabar com os danos e devolver aos palestinos suas possibilidades de vida.
*Isabela Agostinelli é doutoranda em Relações Internacionais no Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP), integrante do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI) da PUC-SP e do Grupo de Trabalho Oriente Médio e Norte da África do Conselho Latino Americano de Ciências Sociais (CLACSO).
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.