Reprovação de Bolsonaro na pandemia e a piora de indicadores econômicos – Blog Terra em Transe

Confira os impactos provocados na popularidade do presidente ao passo que o cenário econômico brasileiro se deteriora

Foto: Presidência da República
Escrito en OPINIÃO el

Por Laerte Apolinário Júnior *

Durante décadas, cientistas políticos buscam compreender o que faz com que a aprovação presidencial aumente ou diminua, como os eleitores pensam e respondem às ações políticas, e como a popularidade é importante para que um presidente execute suas ações (BERLEMANN & ENKELMANN, 2014). Muitos presidentes despendem parcela considerável de seu tempo buscando melhorar sua imagem perante a opinião pública, avaliando, com base em sua popularidade, se irá concorrer à reeleição e/ou se suas propostas políticas serão bem aceitas. Historicamente, presidentes de diferentes países buscam se utilizar da opinião pública para legitimar suas ações.

Um dos pioneiros dessa literatura de Ciência Política sobre determinantes da avaliação presidencial, John Mueller (1970), foi e continua sendo referência para os estudos que procuram investigar os fatores que impactam a aprovação de um presidente. Mueller (1970), buscando analisar os motivos por trás da aprovação de presidentes estadunidenses, coletou dados da organização Gallup Poll, responsável por realizar pesquisas de opinião desde 1930 sobre os índices de popularidade presidencial. Sua pesquisa partiu das hipóteses de que há uma tendência geral de diminuição da popularidade presidencial ao longo do mandato; de que esta varia conforme as idiossincrasias de cada presidente, as crises internacionais, e as percepções do eleitorado sobre a economia do país.

No Brasil, essa literatura ganha força após o processo de redemocratização no país. Figueiredo (1991) apresenta um estudo acerca do comportamento do eleitor, destacando algumas escolas teóricas acerca da questão: a sociológica, a psicológica (ou psicossociológica), e a econômica. A primeira busca explicar o comportamento eleitoral em função de questões sociais específicas dos eleitores como características socioeconômicas, geográficas e religiosas. Os proponentes da escola psicossocial, também conhecida como “Modelo de Michigan”, sem negar a importância dos fatores macro, defendem a existência de outros fatores como, em especial, a percepção afetiva sobre os partidos e candidatos, enfatizando o papel das emoções nesse processo. Por fim, a escola econômica analisa o comportamento dos eleitores a partir da Teoria da Escolha Racional (DOWNS, 1957). Aqui, o cálculo seria feito pelos eleitores de acordo com a utilidade esperada a partir das expectativas acerca das políticas do incumbente em contraste com as propostas da oposição, em termos de bem estar econômico.

Os estudos empíricos no Brasil buscaram analisar essas proposições a partir de diferentes recortes metodológicos. Entre essas obras, destacam-se os trabalhos que procuram explicar as razões da escolha do eleitor em disputas majoritárias por meio das clivagens ideológicas (SINGER, 2000, 2009); da preferência partidária (CARREIRÃO; BARBETTA, 2004); das questões emotivas (PIMENTEL JÚNIOR, 2010) e econômicas (ALMEIDA, 2007), para ficar em alguns exemplos.

Essa discussão acadêmica, embora distante das discussões do dia a dia da população em geral, fornece alguns elementos analíticos interessantes para que possamos analisar a evolução das pesquisas de aprovação presidencial (e de intenção de votos).

O levantamento mais recente realizado pela Consultoria Atlas, realizada entre os dias 08 e 10 de março, de forma online, com 3721 pessoas, mostra que a maré da opinião pública em relação à avaliação do presidente Bolsonaro, tem começado a virar. A pesquisa mostra que, para além do aumento da reprovação do presidente, tanto candidatos mais à esquerda, como Lula, Fernando Haddad e Ciro Gomes, quanto à direita, como Henrique Mandetta, venceriam o atual presidente em um eventual segundo turno.

A pesquisa, realizada a partir da adoção de um nível de confiança de 95%, mostra como a desaprovação em relação ao presidente aumentou de forma significativa desde o começo do ano, para além da margem de erro de dois pontos percentuais. O dado é curioso, pois mostra que após um ensaio de recuperação, entre junho e novembro do ano passado, os índices de desaprovação voltaram a aumentar.

Fonte: Atlas Político

A tendência não apenas se mantém, como se acentua, para os indicadores de aprovação/desaprovação do governo, a partir da inclusão de mais categorias de resposta. Considerando a margem de erro da estimativa, o governo volta a apresentar o maior índice de rejeição desde o início dessa série histórica.

Fonte: Atlas Político

Para além do aumento da desaprovação presidencial, o levantamento também mostra que o atual presidente perderia de ao menos quatro concorrentes em uma eventual disputa de segundo turno:

Fonte: Atlas Político

Em relação às características socioeconômicas do eleitorado, a aprovação presidencial aparenta ser mais alta, comparativamente, entre os homens, entre as pessoas que possuem entre 25 a 44 anos, entre os eleitores das regiões Norte e Centro-oeste e, em especial, entre os evangélicos. Ademais, a taxa, como esperado, é mais alta entre as pessoas que votaram em Bolsonaro nas eleições de 2018.

Fonte: Atlas Político

Sem a pretensão da análise sistemática de um estudo acadêmico, esses dados nos ajudam a levantar algumas hipóteses acerca dos motivos que têm levado a essas transformações recentes na opinião pública brasileira. O primeiro fato que chama a atenção é o aumento da desaprovação presidencial ter aumentado de forma mais significativa nos momentos em que houve um agravamento da pandemia, em termos de média de óbitos semanais, entre abril e junho de 2020, e novembro de 2020 e março de 2021, como se verifica no gráfico abaixo acerca da evolução diária de óbitos no Brasil em função da pandemia de Covid-19.

Embora correlação não implique causalidade, parece curioso que os índices de desaprovação do presidente tenham piorado justamente nos períodos de agravamento da pandemia no país, em especial, quando levamos em consideração a postura negacionista (e genocida) do presidente, e sua equipe, em relação à crise sanitária pela qual passa o país. Vale destacar também a piora em alguns dos principais indicadores econômicos brasileiros (variação do PIB e do desemprego) ao longo do ano passado.

Fonte: IBGE, 2021.
Fonte: IBGE, 2021.

Por outro lado, apesar da tendência geral de aumento da reprovação presidencial, considerando o recorte temporal mais amplo (início de 2019), a melhora relativa da desse indicador após junho de 2020 parece coincidir com o início dos pagamentos referentes ao auxílio emergencial de R$600 aprovado pelo Congresso Nacional naquele ano. A despeito do valor da proposta aprovada ter sido maior que o valor de R$200 inicialmente proposto pelo Governo Federal, o presidente aparentou colher dividendos eleitorais da medida, em especial, pelo seu impacto direto sobre a renda das famílias mais vulneráveis (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2020).

Dialogando com a literatura acadêmica acerca dos determinantes de aprovação presidencial, algumas hipóteses levantadas por esses estudos parecem nos ajudar a compreender o processo contemporâneo. Em especial, a diminuição da popularidade presidencial ao longo do mandato esperada pela literatura parece estar se confirmando. Se isso for verdade, a tendência é que essa aprovação diminua ainda mais até 2022. Ademais, a piora dos indicadores econômicos, aliada a uma crise sanitária de graves proporções, aparenta ter impactado a aprovação do presidente atual. Embora a relação entre economia e comportamento eleitoral (teoria do voto econômico) seja bastante problematizada pela literatura, o que não caberia trazer nesse ensaio, se essa relação for verdadeira, a tendência é que com o fim do auxílio emergencial, e uma possível piora nos indicadores macroeconômicos, em função do agravamento da pandemia, a imagem de Bolsonaro e de seu governo seja ainda mais impactada até 2022.

Referências

ALMEIDA, Alberto Carlos. A Cabeça do Brasileiro. Editora Record, 2007.

ATLAS. Disponível em: https://atlaspolitico.com.br/. Acesso em 11 de março de 2021.

BERLEMANN, Michael; ENKELMANN, Sören. The economic determinants of US presidential approval: A survey. European Journal of Political Economy, v. 36, p. 41-54, 2014.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Câmara aprova auxílio emergencial de R$600 para pessoas de baixa renda durante a pandemia. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/648863-camara-aprova-auxilio-de-r-600-para-pessoas-de-baixa-renda-durante-epidemia/. Acesso em 13 de março de 2021.

CARREIRÃO, Yan de Souza; BARBETTA, Pedro Alberto. A eleição presidencial de 2002: a decisão do voto na região da grande São Paulo. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 19, n. 56, p. 75-93, 2004.

DOWNS, Anthony. An Economic Theory of Democracy. New York: Harper. 1957. 310 p.

FIGUEIREDO, Marcus. Teorias de explicação do voto: uma revisão crítica. FIGUEIREDO, Marcus. A decisão do voto: democracia e racionalidade.São Paulo: Editora Sumaré: ANPOCS, p. 19-94, 1991.

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9173-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-trimestral.html?=&t=series-historicas&utm_source=landing&utm_medium=explica&utm_campaign=desemprego. Acesso em 12 de março de 2021.

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/contas-nacionais/9300-contas-nacionais-trimestrais.html?=&t=series-historicas&utm_source=landing&utm_medium=explica&utm_campaign=pib#evolucao-taxa. Acesso em 12 de março de 2021.

IBRE. Blog do IBRE. Disponível em: https://blogdoibre.fgv.br/posts/auxilio-emergencial-faz-pobreza-cair-em-plena-pandemia. Acesso em 13 de março de 2021.

JHU-CSSE. Center for System Science and Engineering (CSSE) at John Hopkins University & Medicine. JHU-CSSE Covid-19 Data. Disponível em: https://coronavirus.jhu.edu/map.html. Acesso em 13 de março de 2021.

MUELLER, John E. Presidential popularity from Truman to Johnson. The American Political Science Review, v. 64, n. 1, 1970. pp. 18–34.

PIMENTEL JUNIOR, Jairo Tadeu Pires. Razão e emoção: o voto na eleição presidencial de 2006. Opinião Pública, v. 16, n. 2, p. 516-541, 2010.

SINGER, André. (2000), Esquerda e Direita no Eleitorado Brasileiro: A Identificação Ideológica nas Disputas Presidenciais de 1989 e 1994. São Paulo, Edusp. 

SINGER, André. Raízes sociais e ideológicas do lulismo. Novos estudos CEBRAP, n. 85, p. 83-102, 2009.

* Laerte Apolinário Júnior é professor do Departamento de Relações Internacionais da PUC-SP.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.