Na quinta-feira passada em assembleia estatutária com seus acionistas, o Conselho de Administração da Eletrobras, empresa pública de energia, discutiu alterações em seu Estatuto para eliminar toda função pública, social da empresa.
A denúncia foi feita ao vivo por Fabiola Latino Antezana, vice presidente da Confederação Nacional dos Urbanitários - CNU, no programa Fórum Sindical que entrevistou o economista Márcio Pochmann.
Ontem, o governo Guedes/Bolsonaro anunciou que na lista de projetos de interesse escolhidos pelo Executivo e enviados ao Legislativo, foram incluídos o projeto de lei 5877/2019, que diz respeito à desestatização da Eletrobras e suas subsidiárias (Furnas, Chesf, Eletronorte, Eletrosul) no Programa Nacional de Desestatização (PND). Além disso o governo anunciou uma “Medida Provisória de Privatização da Eletrobras".
Alterações estatutárias Eletrobras
Entre as mudanças estatutárias previstas estão a retirada das funções públicas da Eletrobras, engessando a empresa no que se refere a sua capacidade de promoção de políticas públicas como o Luz Para Todos, Selo Procel; Amazônia Legal.
A proposta de reforma do art. 5º do Estatuto prevê que a Eletrobras somente assumirá obrigações de políticas públicas que estejam de acordo com “condições de mercado”, com custos e receitas divulgados previamente. Antezana alerta que "todos os custos eventualmente excedentes da 'condição de mercado' será repassada à União, obrigação esta, sem qualquer amparo em lei ou na Constituição."
O setor elétrico, estratégico para economia do país, conta com um conjunto de normas para a sua regulação. A mudança estatuária visa burlar esta regulação. Caso os financistas do Conselho de Administração considerem que a Eletrobras tenha que ter a mesma rentabilidade que o setor financeiro e de empresas de combustíveis (óleo e gás), ao invés de investir e ajudar a desenvolver o país, passarão a cruzar os braços e viver de dividendos para os seus acionistas.
A vice presidente da CNU explica que não existe qualquer estudo que avalie o que essas alterações no Estatuto da Eletrobras podem causar de impacto econômico-financeiro à União, que passará a arcar com os custos do cumprimento da função social da Eletrobras - seja de modernização do serviço, seja de ampliação do fornecimento de energia elétrica. "O estatuto da Eletrobras não pode criar obrigações para a sua acionista majoritária (União) e, consequentemente, para toda a sociedade brasileira, numa ilegal e indevida inversão de poderes e de desprestígio das prerrogativas que detém a União", alerta Antezana.
Discurso da "liberdade" neoliberal como justificativa
Para justificar as mudanças que beneficiam acionistas estrangeiros e onera a União e consequentemente o povo brasileiro, os acionistas argumentam que tentam "proteger" a Eletrobras contra possíveis “interferências” do governo. No entanto, a União é acionista majoritária e ao direcionar recursos para funções sociais, exerce sua prerrogativa de controle.
Para a Confederação Nacional dos Urbanitários, o que ocorre é "um processo de esvaziamento das funções públicas da Eletrobras, para facilitar a privatização que ainda não foi aprovada no Congresso. A expressão 'condições de mercado' é imprecisa e facilita a asfixia da Eletrobras".
Alterações estatutárias também prejudicam o CEPEL
Criado em 1974, o Centro de Pesquisas de Energia Elétrica- CEPEL- nasceu da associação da Eletrobras e suas subsidiárias ( Chesf, Furnas, Eletronorte e Eletrosul). O CEPEL é referência no Brasil e exterior: é o maior instituto de pesquisa aplicada do ramo elétrico da América do Sul, contribuindo para autonomia e soberania tecnológica do Brasil. O Centro dedica-se a buscar soluções tecnológicas voltadas à geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica no Brasil
De acordo com Relatório da Administração de 2019, a Eletrobras é responsável por 82% do financiamento do CEPEL. Com a alteração estatutária a empresa reduzirá, ou pode até eliminar os investimentos feitos no Centro de Pesquisa , afetando diretamente a operação do sistema interligado nacional, sob gestão do Operador Nacional do Sistema Elétrico- ONS.
A vice-presidenta da CNU, Fabíola Latino Antezana, destaca que o CEPEL tem tamanha importância que até mesmo na proposta de privatização da Eletrobras, "se garante a manutenção do CEPEl pela Eletrobras durante 4 anos, após a alienação do controle acionário" e complementa: "O Conselho de Administração da Eletrobras busca, numa canetada, desobrigar-se do CEPEL, prejudicando o sucesso das pesquisas de energia elétrica desenvolvidas pelo centro de pesquisa."
Sem lógica ou razoabilidade
Para a Confederação Nacional dos Urbanitários não há qualquer razoabilidade na aprovação das novas disposições estatutárias propostas pelo Conselho Administrativo da Eletrobras: "Com a desculpa de assegurar uma determinada autonomia à Companhia, acaba criando um “seguro garantia”, às custas da sociedade brasileira. Na verdade, o que querem é garantir que os investidores da Eletrobras, a imensa maioria estrangeiros, continuem sendo beneficiados, na eventualidade da empresa ser demandada a cumprir sua missão institucional e social."
Desligamentos e Risco de Apagão
Em carta aberta à Diretoria da Eletrobras a Intersindical Norte (SindiNorte) denuncia a irresponsabilidade da empresa em desligar parte de seu quadro técnico qualificado e, em um processo semelhante ao que vem acontecendo na Petrobras, obrigar que os técnicos que permanecem, tenham de ampliar a jornada com horas extras que levam ao adoecimento, riscos de acidente e exaustão.
Afirma um trecho da carta:
No Estado do Pará, dos 41 trabalhadores que atuam no processo mecânico da usina de Tucuruí, 21 estão notificados, pouco mais de 50% da equipe. Na SE do Guamá que alimenta a cidade de Belém, dos 12 profissionais da manutenção elétrica, 4 estão notificados, o que coloca em risco a operação da subestação.
No Mato Grosso o único operador de Nova Mutum está notificado. Nova Mutum recebe várias linhas de 230kV em sua barra, alimentando a cidade e o norte do estado de Mato Grosso. Apesar de ser propriedade
da Eletronorte, as empresas EBTE, ETEM e BRASNORTE têm acesso total à subestação e sem um operador do quadro da Eletronorte, as privadas terão acesso irrestrito sem nenhum tipo de acompanhamento, com risco de ocorrer o que ocorreu no Estado do MA, por manobra equivocada, provocar um apagão na região.
No Maranhão, na subestação de São Luís II, dos 12 trabalhadores ali lotados, 8 foram notificados para fins de desligamentos, 66% da equipe, colocando em risco real de apagão a distribuição de energia na grande Ilha de São Luís. Nos Estados do Amapá e Mato Grosso, os únicos técnicos de segurança de cada Estado, que dão todo o suporte às subestações e para as equipes de manutenção adentrarem nas áreas de risco estão notificados. Em Rondônia, dos 15 trabalhadores notificados, 5 são operadores da HVDC.
Leia a íntegra da carta aqui