Eu estava sentado numa confortável cadeira à mesa de um restaurante de classe média, degustando uma pizza gratinada e com brócolis quando a TV, sem som, interrompeu abruptamente sua transmissão para colocar no ar as imagens de Lula, ladeado por agentes federais de paletó, num heliporto escuro, sob os flashes incessantes dos fotógrafos e feixes de luz vermelha e verde de canetas laser. Em segundos ele era embarcado num helicóptero para ser levado ao cárcere, em Curitiba. Era 2018.
O estabelecimento e as ruas vizinhas ao local irromperam numa gritaria frenética, que disputava espaço com as explosões dos fogos de artifício e os berros de clichês populares à época, como "Luladrão" e "Lula Lixo".
Perdi a fome e confessei à minha companheira, que estava ao meu lado: "Nunca imaginei que a coisa chegasse a esse ponto. Não há injustiça maior que a execração pública desse homem, ele foi o maior estadista brasileiro da História. Que tristeza tudo isso acabar assim".
Só que a coisa não acabou assim. Admito que nunca acreditei que aquele cidadão idoso, depois de ser um dos seres humanos mais influentes do planeta, teria forças e condições para reverter uma das maiores canalhices de que se tem notícia no universo político e jurídico mundial. Uma trama e um complô daqueles em que não há lugar para justiça e para reparação em vida. Talvez um dia os livros de História e o cinema ficassem incumbidos de recompor a imagem de Lula.
Mas não, a justiça veio em vida. As máscaras de seus algozes, uma casta togada até então intocável e ensopada por uma arrogância hipócrita, caíram. Os diálogos infames que edificaram uma farsa rocambolesca e frágil vieram à tona e expuseram ao mundo um bando de salafrários que com o fígado jogaram o Brasil nos trilhos do extremismo, fazendo com que hoje sejamos um pária Internacional, empobrecidos e miseráveis.
Lula saiu da gaiola infernal de Curitiba, constituiu-se num contraponto à barbárie, voltou a perambular nas salas do poder e fazer aquilo que melhor define sua existência: dialogar.
Um diálogo sem rancores e às vezes nauseabundo com gente que ajudou a apedrejá-lo. Mostrou o quão maior é que esses anões que agora dependem de seu gigantismo como estadista para terem sobrevida na política, enxotados do poder pela loucura reacionária e sem uma gota de lucidez traduzida no bolsonarismo.
Em turnê pela Europa esteve com o chanceler alemão, foi a La Moncloa ser recebido pelo chefe de governo da Espanha e, apoteoticamente, recebido no Palácio do Eliseu pelo presidente da República Francesa e sua imponente Garde Républicaine, numa recepção de chefe de Estado que correu o mundo.
Agora, nas franjas do abismo e roendo os ossos do fascismo tacanho da quadrilha de débeis mentais que assaltou os poderes nacionais, Lula converteu-se, como numa mescla de Fênix com sertanejo que vence a seca, na maior e única esperança de resgate do Brasil.
Neste exato momento, não há futuro próximo sem Lula. Goste dele ou não, pelos mais variados motivos, qualquer vivente minimamente racional há de admitir que caberá a ele o processo de regeneração de uma nação continental mergulhada no ódio e no delírio, bem como acolher os farrapos humanos corroídos pela fome.
Daquela noite no restaurante, aterrorizado pelos gritos das matilhas sedentas por sangue, à esperança de um Brasil digno de novo, é inegável que a redenção de Lula além de uma conquista de justiça pessoal é no presente a única possibilidade de voltarmos a ser o que um dia já fomos.