"O passado não conhece o seu lugar. Ele teima em reaparecer no presente". O poeta gaúcho Mário Quintana (1906-1994) tem toda a razão.
A sociedade brasileira - fundada na escravização, na concentração da propriedade, na dependência externa e no mandonismo - tem um forte viés autoritário. Há autoritarismo na política, na economia, nas relações familiares (onde o machismo é sua expressão mais visível), nas instituições religiosas e educacionais.
Na República, inaugurada em 1989, o poder não se democratizou plenamente. Longe disso, aliás: dominação oligárquica, Estado Novo, proscrição do Partido Comunista na Guerra Fria, ditadura imposta por intervenção empresarial-militar (1964-1985), golpe parlamentar de 2016. Os exemplos são muitos.
Mesmo nos raros períodos de eleições periódicas com pluralismo partidário, o poder econômico mantém seu domínio, com uma sustentação política majoritária, fisiológica, corrompida e direitista, conservadora – como a que hoje é chamada de Centrão.
Pois bem, em dezembro de 1968, já na vigência da ditadura militar (1964-1984), há 53 anos era editado o Ato Institucional número 5, o AI-5. Baixado na vigência do regime militar, ao final de um ano em que estudantes, operários e parte da sociedade civil se manifestaram contra o autoritarismo crescente, o ato aprofundou o regime militar: fechou o Congresso, cassou mandatos, prendeu líderes sindicais e estudantis, perseguiu e baniu artistas, apertou ainda mais a censura.
O AI-5 permitia ao “general-presidente” tudo isso e muito mais: suspender direitos políticos, governar por decretos, aposentar funcionários públicos (inclusive juízes), julgar civis por tribunais militares e muitas outras aberrações.
A proibição de que habeas corpus fossem concedidos a acusados de crimes políticos azeitou a máquina oficial da tortura, do terrorismo de Estado. Os presos passaram a ficar incomunicáveis pelo tempo em que quisessem seus carcereiros. Muitos deles não tinham sequer a prisão registrada. Isso tudo dava luz verde para as torturas, que se tornaram política de Estado. E surgiram, também, os “desaparecimentos” de presos políticos.
O horror!
O AI-5 só deixou de existir em 1º de janeiro de 1979.
Esse passado de trevas e violência estatal, a soldo e financiado pelo grande capital nacional e multinacional, é louvado pelos que estão no poder federal. Bolsonaro e seus bolsocrentes têm saudades do AI-5, proclamam um mega torturador como ídolo, são nostálgicos da ditadura. Não escondem isso de ninguém.
Sabemos que esquecer o passado é correr o risco de revivê-lo. Inclusive no que ele tem de pior. Não podemos deixar que essa "página infeliz da nossa História" seja "passagem desbotada na memória de nossas novas gerações", como cantaram Chico Buarque e Francis Hime em "Vai passar".
O neofascismo e a truculência autoritária avançam no Brasil e no mundo. É urgente barrá-los!
E eles hão de passar, com nosso dedicado empenho!
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.