Em fevereiro comemora-se o centenário da Semana de Arte Moderna, que pretendia (e, embora contestada por alguns, acho que em boa parte conseguiu) ser um pontapé inicial para renovação da arte brasileira, seja na literatura, na arquitetura, na música… e, não pensado no momento, um dos expoentes do evento, Oswald de Andrade, enveredou também pelas artes culinárias. Quer dizer, ele mesmo não era lá um “chef”, mas apreciava bem.
Acompanhado de gente como Tarsila do Amaral (que foi uma das suas mulheres), Mário de Andrade, Anita Malfatti, Menotti Del Picchia e outros modernistas, levava a vida de banquete em banquete.
Não se limitavam a paulistas e nem mesmo a brasileiros os que compartilharam sua mesa. Basta lembrar que foi anfitrião de Albert Camus e do poeta francês Blaise Cendrals, por exemplo. Nisso, além de apresentar a eles a culinária brasileira, incluía viagens para apreciar novos sabores e para que os estrangeiros conhecessem algumas coisas mais da cultura brasileira. E ao que tudo indica, compartilhou também a cama com Isadora Duncan.
E numa temporada em Paris, o apartamento em que vivia o casal Tarsila e Oswald (“Tarsiwald”), virou point de intelectuais franceses apreciadores entre, outras coisas, da feijoada feita por Tarsila e da cachaça que Oswald encomendava continuamente. E intelectuais brasileiros também, frequentaram o tal apartamento.
Bom… A Semana de Arte Moderna, seus participantes, o resultado dela, críticas e elogios vão ser muito frequentes neste centenário. Vão lembrar que um dos participantes foi o fatídico Plínio Salgado que depois fundou o mais fatídico ainda Integralismo. O poeta Guilherme de Almeida também se enveredou por uns caminhos nada modernos. Mas teve Becheret, Villa Lobos, Di Cavalcanti, Lasar Segall ? além dos já citados Mário e Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e Anita Malfatti ? e muitos outros que se tornaram ícones da cultura brasileira.
Nascido de família rica e “bem criado”, Oswald era sarcástico quando à burguesia paulista. Mas não querer ser um burguês não significou de início caminhar para a esquerda, a opção era a boemia. Uma boemia rica, faustosa, que levava a vida como uma festa perene. O empresário Paulo Prado foi um mecenas dessa turma, ajudando na realização da Semana e também oferecendo jantares de fazer babar qualquer um, regularmente.
Oswald, porém, torrou sua fortuna nessa vida festiva, até, casado com Patrícia Galvão, a Pagu, ambos encontrarem-se com Luís Carlos Prestes, exilado em Montevidéu e travarem noites de conversas regadas a café. Converteu-se ao comunismo e, com Pagu, foi militante de verdade, criaram o jornal “O Povo”, sofreram perseguições policiais, Pagu foi presa e muito torturada.
Quem melhor para contar tudo isso? Um neto de Oswald e Pagu, Rudá K. de Andrade.
Sem deixar de revelar que aquela vida era de privilegiados, ele escreveu o livro “A arte de devorar o mundo - aventuras gastronômicas de Oswald de Andrade”, com apresentação da historiadora Márcia Camargos, estudiosa da Semana de Arte Moderna.
Além de aventuras gastronômicas e amorosas, o livro contém várias receitas, algumas surpreendentes, de experimentos de fazer inveja a participantes, jurados e telespectadores de programas como o Master Chef. Por exemplo: num jantar oferecido por um amigo que gostava de novas experiências, houve até carne temperada com rapé. Uma coisa que Oswald gostava e que me deu vontade de experimentar (vou fazer isso) é incluir polpa de maracujá no preparo do arroz.
Ah… uma revelação: quando criança, eu só aceitava leite com conhaque. De alcatrão, barato. Pois não é que lendo o livro fiquei sabendo que Oswald de Andrade gostava disso também? Cognac de verdade, não conhaque. E dose inteira colocada num copão para se tirar leite em cima, produzindo uma espuma de leite quentinha, com gosto muito melhor.
Entre as muitas curiosidades que me foram reveladas, fiquei sabendo que depois de se afastar do Partido Comunista, Oswald de Andrade foi candidato a deputado federal (e não se elegeu), pelo Partido Republicano Trabalhista, com o lema “Pão - teto - roupa - saúde - instrução - liberdade”. Nossa! Seria odiado por bolsonaristas se fosse hoje.
Outra coisa é o nome do “Rudazão”, como amigos chamavam o pai do “Rudazinho”, autor do livro. Filho de Oswald e Pagu, ele se chamava Rudá Poronominare Galvão de Andrade. Rudá é o Deus do Amor na cultura tupi-guarani. Mas Poronominare… que que é isso? Fui procurar nas minhas fontes bibliográficas e fiquei sabendo: é o Deus dos Maipuro, povo Karib da Venezuela, que se tornou conhecido no vale do rio Negro. Uma espécie de Macunaíma: bem-humorado, astuto, sem escrúpulos, fortemente sexual e castigador.
Enfim, recomendo a quem quiser conhecer o lado antropofágico pra valer de Oswald de Andrade. Publicado com apoio do Proac (programa de apoio à cultura do governo paulista). Quem quiser adquirir, é só clicar aqui.
Rudá avisa: se for para quem mora na região de Pinheiros, Butantã e proximidades, leva o livro para entregar em mãos. O preço? Perguntem a ele.