Nesta quinta-feira, 09 de dezembro, foi dada a largada para a maior maratona de cinema internacional no Rio de Janeiro, que vai até o dia 19. E a gala foi pra lá de especial com uma sessão de abertura a exibir o novo trabalho de Pedro Almodóvar, “Madres Paralelas”, que em breve irá estrear também na Netflix, e cuja crítica pode ser lida mais abaixo nesse presente texto (além da análise do filme “Undine” de Christian Petzold, outro destaque do Festival do Rio).
Após um período muito difícil para todos os Festivais, não só pelas restrições da pandemia e cinemas fechados, como pelo desmonte de políticas e financiamentos públicos voltados para a cultura, o Festival do Rio não havia tido incentivos para fazer uma edição online ano passado, mas voltou com tudo este ano. Em julho realizou uma edição especial com alguns dos filmes que teria programado em 2020, exibidos na TV pela rede Telecine, e agora traz uma versão enxuta presencial com boa variedade de obras premiadas e outras cotadas para o Oscar 2022.
Longas-metragens como “Belfast” de Kenneth Branagh, “Cyrano” de Joe Wright e “Beco do Pesadelo” de Guillermo Del Toro (este último será a sessão de encerramento) terão sua primeira exibição no Brasil e são fortes candidatos às principais indicações da temporada de prêmios norte-americanos no ano que vem. Além de alguns dos maiores cineastas de todos os continentes, também favoritos à categoria de filme internacional no Oscar 2022, como “Drive my car” de Ryusuke Hamaguchi, “Um Herói” de Asghar Farhadi e “Titane” de Julia Ducournau (confira crítica clicando aqui).
Isso sem falar nos novos filmes de nomes consagrados, vide “Festival do Amor” de Woody Allen, “Memoria” de Apichatpong Weerasethakul, “Pequena Mamãe” de Céline Sciamma, “Benedetta” de Paul Verhoeven, “Cow” de Andrea Arnold, “Má sorte no sexo ou pornô acidental” de Radu Jude, “A Mulher que Fugiu” de Hong Sang-Soo (leia a crítica destes dois últimos clicando aqui).
Vale citar também nas mostras competitivas brasileiras alguns dos filmes de destaque do ano, como “A viagem de Pedro” de Laís Bodanzky, “Medusa” de Anita Rocha da Silveira, “Medida Provisória” de Lázaro Ramos, “O pai da Rita” de Joel Zito Araújo e “O livro dos prazeres” de Marcela Lordy (este último, adaptação da obra de Clarice Lispector). E os documentários “Cafí” de Lírio Ferreira e Natara Ney, “O melhor lugar do mundo é agora” de Caco Ciocler e “Rolé – Histórias de Rolezinhos” de Vladimir Seixas (leia crítica clicando aqui) – só pra citar alguns.
Não esquecendo, igualmente, de retrospectivas com filmes em homenagem à Cahiers Du Cinéma e outra com exemplares da filmografia do mestre Wong Kar-Wai e suas obras que são como poesia em movimento pictórico.
Iremos agora nos aprofundar na obra mais recente de Pedro Almodóvar, “Madres Paralelas”, que estreou internacionalmente este ano em competição no Festival de Veneza, no qual levou o prêmio de melhor atriz para Penélope Cruz. Vamos adentrar algumas escolhas estéticas e de linguagem do mestre espanhol para contar tal história e dar vazão ou não ao prêmio citado.
Para falar o mínimo possível sobre a trama, vale dizer que o título alude à amizade formada entre duas mulheres que vão dar à luz no mesmo dia e todas as desventuras que entrelaçam a vida das duas ao longo dos anos. Basta isso para entender algumas das emoções. Porém, vale destrinchar que o filme possui três tramas principais: a dos bebês, a da amizade entre as mulheres e outra subtrama que vai se tornando principal a metaforizar a ancestralidade numa revisitação ao passado da Ditadura do General Franco na Espanha.
Algumas vezes, essas tramas parecem três filmes isolados, e nem sempre eles se encontram da melhor forma para se potencializar. Porém, cada um deles alcança pontos altos, com grandes cenas, especialmente a seqüência final, extremamente inspirada e engajada. – Algo ímpar para o diretor, já que ele costuma dizer que não faz política em seus filmes, e apenas deixa as personagens e imagens falarem por si só. Aqui não, pois ele faz, de fato, um manifesto contra o conservadorismo crescente na Europa, lembrando os esqueletos no armário de períodos recentes demais para esquecer. Uma convocação à resistência!
A forma de alguém tão experiente e autoral quanto Almodóvar filmar é bastante pronunciada. Seus quadros bastante cromáticos, de tal modo a narrar emoções com cores, funciona muito bem na maior parte das vezes, ainda que tenha escolhido uma palheta mais primária aqui, com camadas lisas de vermelho e verde usados à exaustão, e, como apoio, amarelo e azul em segundo plano.
É meticulosa a escolha em figurinos, objetos de cena e desenho de produção, mas algumas vezes parecem usos menos criativos do que de costume, vide cena em que as personagens femininas estão, cada uma, com suéteres nas cores principais, e com um cesto de frutas nos mesmos tons invertidos no quadro que as roupas delas. Um pouco óbvio, mas ainda assim um colírio para os olhos.
Outra coisa é a montagem, pois apesar de ser uma história com várias elipses de pequenos saltos temporais, a condução narrativa ainda é bastante linear (com exceção de um único flashback que se torna até dispensável, já que estava todo subentendido na relação dos protagonistas). A questão da linearidade não diminui a força das histórias, até porque as tramas paralelas dão um respiro na alternância entre temas, porém, para fãs do diretor acostumados com mais entroncamento emocional entre os diferentes tempos, talvez possa fazer falta um pouco mais de complexidade temporal.
Nada disso é demérito para a atuação do elenco principal, muito bem azeitada. A grande credibilidade do acontecimento em cena advém da química entre construções emparelhadas. Não há como se falar da força de Penélope Cruz no plano sem debater a aura do coletivo feminino da equipe, especialmente a novata Milena Smit (“No Matarás”, 2020) e as veteranas Aitana Sánchez-Gijón (“Caminhando nas Nuvens”, 1995) e a também atriz-assinatura do diretor Rossy de Palma (“Kika”, 1993). São elas que melhor costuram o quebra-cabeça com a ancestralidade e o matriarcado como verdadeira bússola da humanidade.
E não que Israel Elejalde (“A Garota de Fogo”, 2014) esteja mal no papel, pois serve a seu propósito, especialmente o ligado à história antropológica sobre a Ditadura Franquista, porém é no quesito mais intimista da história que ele fica sobrando... Nem é por atuação, mas pela forma como o roteiro foi escrito para comportar a subtrama dele e a da personagem de Milena Smit, já que nenhuma das duas será aprofundada completamente, deixando a desejar e parecendo só querer ousar de forma a desconstruir o patriarcado e o maniqueísmo binário, mas não indo a fundo como prometia. – não se falará aqui nem como, nem o porquê justamente para não estragar nenhuma surpresa (são apenas duas reviravoltas, então é bom poupá-las).
Aliás, por lembrar da forma com que Almodóvar costuma trabalhar em seus filmes com personagens não binárias e de identidades fluidas (seja de gênero ou de sexualidade), vale menção honrosa para a rápida participação de Daniela Santiago, a estrela ascendente da série de sucesso “Veneno” da HBO Max, o que, por si só, parece fazer parte da declaração emancipatória de vida que seus filmes ecoam.
Mais uma camada amarrada pela presença poderosa de Penélope Cruz, cujo rendimento na frente da câmera é um dos melhores de sua carreira, numa personagem ímpar. Há toda uma gama de desenvolvimento ali, da culpa ao arrependimento, do egoísmo ao altruísmo, inclusive potencializada pelas imagens de arquivo, fotos e fatos verídicos misturados à ficcionalização de sua personagem – movimento iniciado na obra anterior, “Dor e Glória”, que já misturava ficção e realidade nas memórias do próprio cineasta, e agora misturando tudo à alma ferida da própria Espanha, cujo cinema pode ajudar a refabular e curar (como na retromencionada seqüência final, uma das mais belas do ano que já vale o filme todo).
Já o igualmente inédito longa-metragem “Undine” de Christian Petzold, que estreou na competição pelo Urso de Ouro no 70° Festival de Berlim, e ora no Festival do Rio, pode não ser um dos trabalhos mais radicais do mestre alemão, porém, com certeza ainda é um exemplar sólido e superior à maior parte do que é lançado anualmente no mercado. Um diretor que mesmo num trabalho que abraça propostas mais clássicas consegue propor a si mesmo algum desafio e risco.
Se Petzold costuma ser lembrado primeiramente por seu brilhantismo como roteirista, neste exemplar ele realmente se desafia como diretor, inclusive, filmando tomadas submersas bastante poéticas ao som de Bach. Tanto que confirmou tal informação sobre o preciosismo desta decupagem na coletiva de imprensa respondendo que, à despeito de quase não recorrer a este recurso, desta vez usou e abusou de story board para planejar as cenas debaixo d’água.
E que exímio jogo de xadrez ele criou. Não apenas belo, mas significativo para a história, e tudo isto fundido a seus textos astutos de praxe. Vide os 15 minutos iniciais irretocáveis, tanto em diálogo, quanto em mise-en-scène, montando uma surpresa visual cheia de efeitos de filmagem para engrandecer um pequeno ocaso que irá acontecer (não vou dizer qual ou como para manter a surpresa).
O que pode se dizer é que mesmo numa trama bastante simples e calcada num romance direto, porém nem um pouco piegas, a história do filme envolve questões com água porque fará referência ao mito de um peixe grande imortal, “Gunther”, raramente visto, que regressa em ciclos para manter a fábula viva. Apesar de que, a princípio, não haja nada de fantasioso em sua narrativa. A trama é fincada de modo firme na terra, até que o nome da protagonista também aparece num fragmeto naufragado… Algo a ver com o peixe? Ou será apenas imaginação? — Vale dizer que a origem etimológica da palavra “Undine”, ou “Ondina” ou “ondim” é uma categoria dos elementais imaginários sendo associados com a água, primeira vez mencionado por Paracelso na mitologia arcaica (E não é o primeiro filme feito pelo mito na história do cinema).
Independente de toda esta elaboração visual, ainda assim a simplicidade deste amor não possui necessariamente a complexidade de outros casais em filmes anteriores do diretor, como a a carga de ameaça e culpa presente em sua obra-prima anterior, “Transit”, nem o peso dpdaercepção distorcida da memória em “Phoenix”.
Por fim, curiosamente, vale dizer que o próprio Petzold afirmou ter se inspirado no casal de “Transit” para fazer o pequeno exercício de roteiro que deu origem à gênese da ideia para “Undine”: ele inverte a situação do casal interpretados pelos mesmos excelentes atores-assinatura, Paula Beer e Franz Rogowski, fazendo com que a pessoa que procurava pela outra antes esteja na posição oposta agora… Porém, quanto a seus destinos…, como um bom pregador de peças, ele irá guardar algumas surpresas na manga, quebrando a proporção desse espelho invertido.
Aqui, a lista completa de filmes estrangeiros e mostras competitivas brasileiras:
Panorama Especial
A Chiara, de Jonas Carpignano
A Fratura, de Catherine Corsini
A Mulher que fugiu, de Hong Sang-soo
Belfast, de Kenneth Branagh
Belle, de Mamoru Hosoda
Benedetta, de Paul Verhoeven
Compartment nº 6, de Juho Kuosmanen
Cow, de Andrea Arnold
Cyrano, de Joe Wright
Diários de Otsoga, de Maureen Fazendeiro, Miguel Gomes
Drive my car, de Ryusuke Hamaguchi
Encontros, de Hong Sang-soo
O Festival do Amor, de Woody Allen
Lágrimas de sal, de Philippe Garrel
Má sorte no sexo ou pornô acidental, de Radu Jude
Matar a la Bestia, de Agustina San Martín
Memoria, de Apichatpong Weerasethakul
Murina, de Antoneta Alamat Kusijanovi?
Nove Dias, de Edson Oda
O Homem Ideal, de Maria Schrader
Pequena Mamãe, de Céline Sciamma
Titane, de Julia Ducournau
Tre Piani, de Nanni Moretti
Um Herói, de Asghar Farhadi
Undine, de Christian Petzold
Venice Beach, CA., de Marion Naccache
O Beco do Pesadelo, de Guillermo Del Toro – Gala de Encerramento
Retrospectiva Cahiers du Cinema
A Marquesa d’O, de Eric Rohmer
Ascensor para o cadafalso, de Louis Malle
O dinheiro, de Robert Bresson
La Jetée, de Chris Marker
Loucuras de uma primavera, de Louis Malle
O Planeta Selvagem, de René Laloux
Os Caracóis, de René Laloux
Paris nos pertence, de Jacques Rivette
O Demônio das Onze Horas, de Jean-Luc Godard
Z, de Costa Gavras
Zazie no metrô, de Louis Malle
Retrospectiva Wong Kar-Wai
2046
Amor à Flor da Pele (In the mood for love)
Amores Expressos (Chungking Express)
Anjos Caídos (Fallen Angels)
Felizes Juntos (Happy Together)
E aqui a lista completa de brasileiros:
PREMIERE BRASIL 2021 do Festival do Rio:
Première Brasil – competição Longa ficção
- A viagem de Pedro, de Laís Bodanzky
- Casa Vazia, de Giovani Borba
- Cora, de Gustavo Rosa de Moura e Matias Mariani
- Medusa, de Anita Rocha da Silveira
- Medida Provisória, de Lázaro Ramos
- Meu Tio José, de Ducca Rios
- Mundo Novo, de Alvaro Campos
- O pai da Rita, de Joel Zito Araújo
- O livro dos prazeres, de Marcela Lordy
- Sol, de Lô Politi
Première Brasil – competição Longa documentário
- BR Trans, de Tatiana Issa e Raphael Alvarez
- Cafí, de Lírio Ferreira e Natara Ney
- Manguebit, de Jura Capela
- O melhor lugar do mundo é agora, de Caco Ciocler
- Rolé – Histórias de Rolezinhos, de Vladimir Seixas
- Uma baía, de Murilo Salles
Première Brasil - NOVOS RUMOS competição Longas
- Barragem, de Eduardo Ades
- Os Grandes Vulcões, de Fernando Kinas e Thiago B. Mendonça
- Os Dragões, de Gustavo Spolidoro
- Os Primeiros Soldados, de Rodrigo de Oliveira
- O dia da Posse, de Allan Ribeiro
- Rio Doce, de Fellipe Fernandes
Première Brasil – competição curtas
- Colmeia, de Maurício Chades (GO)
- Da janela vejo o mundo, de Ana Catarina Lugarini (PR)
- Depois quando, de Johnny Massaro (RJ)
- Fim do dia, de Rafael Raposo (RJ)
- Jamary, de Begê Muniz (AM)
- Masar - caminhos à mesa, de Amina Nogueira e Ana Sanz (RJ)
- Modelo vídeo, de Leonardo Lacca (PE)
- O Nascimento de Helena, de Rodrigo Almeida (RN)
- Quando o tempo de lembrar bastou, de Felipe Quadra (RJ)
- Solitude, de Tami Martins e Aron Miranda (AP)
- Tecido, sigilo de Lucílio Jota (RJ)
- Tereza Joséfa de Jesus, de Samuel Costa (RJ)
- VIVXS!, de Claudia Schapira, Roberta Estrela D'Alva e Tatiana Lohmann (SP)
Première Brasil NOVOS RUMOS – competição curtas
- Centelha, de Renato Vallone (RJ)
- Chão de fábrica, de Nina Kopko (SP)
- Ibeji Ibeji, de Victor Rodrigues (RJ)
- Lina, de Melise Fremiot (RJ)
- O fundo dos nossos corações, de Letícia Leão (RJ)
- Okofá, de Daniela Caprine, Mariana Bispo, Pedro Henrique Martins, Rafael Rodrigues e Thamires Case (SP)
- Meu coração já não aguenta mais, de Fabrício Brambatti (SP)
- Uma paciência selvagem me trouxe até aqui, de Érika Sarmet (RJ)
Première Brasil HORS CONCOURS longas
- Alemão 2, de José Eduardo Belmonte
- A suspeita, de Pedro Peregrino
- Capitu e o capítulo, de Júlio Bressane
- Eduardo e Mônica, René Sampaio
- Ela e eu, de Gustavo Rosa de Moura
- Marinheiro das Montanhas, de Karim Aïnouz
- Meu álbum de amores, de Rafael Gomes
- O Circo voltou, de Paulo Caldas
- Papai é Pop, de Caíto Ortiz
Première Brasil HORS CONCOURS curtas
- Ato, de Bárbara Paz
- Romance, de Karine Telles
Première Brasil ESPECIAL
- Dona Flor e seus dois maridos, de Bruno Barreto
- Chico Mario – A Melodia da Liberdade, de Silvio Tendler
- Já que ninguém me tira para dançar, de Ana Maria Magalhães
- Nelson filma o Rio, de Luiz Carlos Lacerda
- Tempo Ruy, de Adilson Mendes
- Terra Estrangeira, de Walter Salles e Daniela Thomas
- Ziraldo – Era Uma Vez um Menino..., de Fabrizia Pinto
Première Brasil – O ESTADO DAS COISAS
- American Thief, Miguel Silveira
- Antígona 442 A.C, de Maurício Farias
- Nuhu Mu Yõg Hãm, Essa Terra é Nossa, de Isael Maxakali, Sueli Maxakali, Carolina Canguçu e Roberto Romero
- Saudade do futuro, de Anna Azevedo
- Segredos do Putumayo, de Aurélio Michiles
- The Last Election and Other Love Stories, de Miguel Silveira
- Você não sabia de mim, de Alan Minas