Lugar de gênero: "a loira é do Xisto" - Por Normando Rodrigues

Por outro desses não-acasos, o tribunal dos desembargadores “de loiras” é a mesma corte que há 3 semanas libertou dois fascistas, assassinos de um punk em 2013, crime cometido na prostituída Curitiba

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A emancipação humana, em qualquer perspectiva política, pressupõe a libertação da mulher. E esta encontra obstáculos enraizados há milênios, os quais são artérias essenciais do fascismo.

1° Magistrado

Em evento do programa nacional de formação de fascistas chamado “escolas cívico-militares”, Bolsonaro deu exemplo cívico e disse que não “come” militares. Foi a 24 de novembro, ocasião em que o monstro estava ainda cheio de ternura por ter recebido criancinhas na véspera.

No dia 23, as portas do Alvorada haviam se aberto para um momento natalino infantil, com direito à 1ª Dama vestida de Branca de Neve, ao canastrão Bolsonaro em seu natural papel de Rainha Má, e à Damares Alves fantasiada de Damares.

Nessa versão distópica do conto dos Grimm, o príncipe fascista não faz amor, não compartilha, não se acosta com o parceiro sexual. Ele “come”, domina, usa em proveito próprio, e não do “nós”, e a mulher deve se sujeitar e cuidar.

Sem mi(ni)stérios

O fato de Damares da goiabeira ter uma pasta no gabinete fascista confirma a regra do poder falocrático.

Dos 193 estados reconhecidos pelas Nações Unidas, apenas catorze têm 50% ou mais, de seus ministérios, chefiados por mulheres. E os temas mais comumente “concedidos” à gestão feminina deixam claro o que delas se espera:

  • família, infância, juventude, idosos…

No entanto, justo ao nosso lado, um vizinho resolveu acabar com essa disparidade.

Machismo Latino

O mulherengo Simón Bolívar foi o 1° presidente do país que carrega o nome do libertador.

Passaram-se, porém, dois séculos até que a “minoria” originária (60% da população) se visse na presidência da Bolívia, em janeiro de 2006, com Evo Morales.

Fiel à sua ascendência uru-aimara e camponesa, Evo se dedicou à correção da injustiça racial. As instituições não poderiam continuar orientadas somente pelos interesses dos 4% de “brancos”.

Diversidade

Evo conduziu todos a uma nova constitucionalidade, iniciadora do Estado Plurinacional de Bolivia, para desta forma representar as nações aymara, quéchua, chiquita, guarani, e todas as outras.

A constituição de 2009 também inovou quanto à eterna “minoria” coisificada, as mulheres, já atoras de políticas públicas feministas desde o início do governo de Evo.

O texto fundamental cita a proteção contra a violência física, sexual ou psicológica, seja em casa ou não. E, um ano antes de Dilma, consagrou o termo “presidenta”.

Igualdade na política

A Bolívia se tornou o 2° país, daqueles 14 acima, a garantir às mulheres equidade política, um ano após Ruanda. Explicitamente, as bolivianas conquistaram a paridade na composição, exercício e controle dos poderes, em todas as suas instâncias.

Uma importante consequência foi o amplo enfrentamento à misoginia, maturado na “lei de fortalecimento da luta integral contra a violência a meninas, meninos, adolescentes e mulheres”, de maio de 2019.

O conjunto significou uma grande ofensa ao machismo boliviano. E, não por acaso, aos EUA e ao capitalismo.

O Império contra-ataca

Em outubro de 2019, Evo foi reeleito para mais 5 anos de mandato, nos quais manteria o processo de distribuição da renda do gás natural e dos minérios, à população. Foi demais para o Império.

“Observadores” da Organização dos Estados Americanos denunciaram em 10 de novembro de 2019 que a eleição havia sido fraudada, e no dia seguinte Morales foi forçado a renunciar e a se refugiar no México, para não ser morto.

Militares e policiais garantiram o golpe com a morte de dezenas de indígenas e a prisão milhares, e se apressaram a arrancar de suas fardas a bandeira multicolor Whipala, queimada nas ruas por machistas e fundamentalistas religiosos que comemoravam a retomada “branca, masculina e cristã”.

A farsa e a causa

Para cancelar as políticas de igualdade de gênero foi escolhida uma “Damares”. A senadora Jeanine Añez se autodeclarou presidenta, tomou posse com uma grossa bíblia nas mãos, e o Brasil de Bolsonaro foi o 1° país a lhe dar reconhecimento.

Passados sete meses, em 7 de junho de 2020, The New York Times publicou a verdade: fraudulento era o relatório da OEA, e a reeleição de Evo fora limpa!

A causa do golpe contra o povo boliviano se chama Elon Musk. Aqui, Moro e Bolsonaro atuaram para abrir o Brasil aos derivados de petróleo das refinarias americanas, ao passo que lá, Jeanine tinha por missão entregar as reservas de lítio da Bolívia à Tesla, o que Musk confessou numa postagem raivosa, em 24 de julho de 2020, logo apagada.

Elon Musk

Mas o moderno Musk, o protocolonizador de Marte, se associaria ao autoritarismo, à misoginia e ao retrocesso? Sim. É da essência do fascismo combinar mão de obra escrava com tecnologia de ponta, como na fabricação de mísseis V-2.

O fascismo é avesso à razão e ao conhecimento científico, e não ao seu conveniente uso imediato. O high tech Musk, tipicamente, se opõe à ajuda econômica aos pobres, à vacinação obrigatória e às medidas de isolamento social na guerra à pandemia.

Coerentemente, suas firmas são famosas por práticas de racismo, assédio sexual, e de coação dos empregados a acordos arbitrários impeditivos de futuros processos trabalhistas.

Convite

No mesmo dia em que declarou não “comer” militares, Bolsonaro convidou Musk para instalar no Brasil uma fábrica de semicondutores e chips, o que esclarece porque o Mito quer destruir o Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada, única empresa brasileira atuante nesse campo.

Misóginos que são, é certo que Bolsonaro e Musk ignorem por completo o significado do dia seguinte ao do convite, 25 de novembro, data em que as irmãs Pátria, Minerva e Maria Teresa Mirabal foram mortas a pauladas, a mando do ditador Rafael Trujillo, em 1960.

“Dono” da República Dominicana por 31 anos, Trujillo contou com “patrióticos” militares brasileiros para treinar sua força aérea, o que foi feito sob a chancela de Dutra, o governante mais entreguista do Brasil, antes de Moro e Bolsonaro.

Celebração

O caso Mirabal fez o 25 de novembro passar a ser o Dia Internacional de Luta Contra a Violência à Mulher.

Diferentemente de Bolsonaro e de Musk, desembargadores do Tribunal de Justiça do Paraná, versados em direitos e conhecedores da data, resolveram celebrar.

Brancos, cristãos e mui machos, ao que parece, idealizaram saudar o dia com a denunciação da prostituição feminina em Curitiba:

  • Você é um tratante, ficou de ir na sexta-feira e não foi.
  • Eu tô numa correria…
  • Vou levar as duas lá para você ver. Uma para você e uma para o Xisto. A primeira… a loira é do Xisto.
  • Tá bom. O Xisto vai gostar.

Hipócritas

Nesse sistema de valores a mulher só pode ser “coisa”, um bem comprável e desfrutável. Uma “cerveja”.

Para que ela permaneça objeto, o homem das cavernas travestido de civilizado com gravata, toga ou uniforme, combate o feminismo e “ameaças” equivalentes à sua macheza, tipo homossexualismo e aborto.

Hipocritamente a cruzada misógina fascista alega proteger a família, mulheres e crianças, muito embora sua única meta seja resguardar o carcomido patriarcado, vital para a manutenção de uma sociedade hierarquizada e autoritária.

Por outro desses não-acasos, o tribunal dos desembargadores “de loiras” é a mesma corte que há 3 semanas libertou dois fascistas, assassinos de um punk em 2013, crime cometido na prostituída Curitiba.

Misoginia e fascismo são inseparáveis.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum