O livro “Genocídio Americano”, do historiador José Júlio Chiavenatto, lançado pela Brasiliense em 1979, tornou-se um clássico. Ele versa sobre o episódio que, nós, brasileiros, chamamos de Guerra do Paraguai. A Argentina, o Uruguai e o próprio Paraguai, países também envolvidos no conflito, o denominam Guerra da Tríplice Aliança.
As versões sobre as origens da guerra são variadas. Algumas apontam a presença da Inglaterra, incomodada com a política independente do Paraguai, na época um país que já tinha feito reforma agrária, era o único nas Américas sem analfabetos e cuja população vivia em melhores condições materiais do que seus vizinhos. Outros responsabilizam Solano López, que governava o Paraguai com mão de ferro e deu início às hostilidades atacando o território brasileiro.
Mas não é meu objetivo aqui tratar da guerra ou de suas razões. Quero me ater a um episódio narrado por Chiavenatto: a batalha de Acosta Ñu, travada em 16 de agosto de 1869, já no fim dos conflitos.
O Paraguai estava praticamente derrotado, tendo a sua população adulta masculina quase toda dizimada, ainda que Solano López ainda não tivesse sido morto ou capturado.
Duque de Caxias, o general brasileiro que chefiava as tropas da Tríplice Aliança, chegou a renunciar a esse comando, afirmando que para ele a guerra já tinha acabado e que, como militar, não se dispunha a seguir “matando crianças paraguaias no ventre das mães”.
Assumiu a triste e vergonhosa missão o Conde D’Eu, príncipe francês casado com a Princesa Isabel.
Em Acosta Ñu, enfrentaram-se 20 mil soldados brasileiros e 3.500 crianças paraguaias com idades entre 9 e 15 anos. A batalha durou oito horas. Conta Chiavenatto que meninos de 6, 7 e 8 anos, com suas mães, acompanhavam as forças paraguaias.
Terminada a batalha, as mães paraguaias saíram do matagal para tentar resgatar os cadáveres de seus filhos ou socorrê-los, caso estivessem apenas feridos. O Conde D’Eu ordenou, então, que a toda a mata fosse queimada, para impedir a ação das mães. Elas e os poucos sobreviventes morreram carbonizados.
No Paraguai, o Dia da Criança é comemorado no aniversário dessa batalha inglória.
Pois me lembrei de Acosta Ñu ao saber que mães de jovens assassinados pelo Bope no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, no último fim de semana, entraram num mangue próximo para procurar os corpos de seus filhos. Embora se fale em cerca de 20 desaparecidos, só oito corpos apareceram. E todos no pântano e com marcas de tiros e torturas. Havia a expectativa de que mais corpos estivessem lá também.
Coube, então, às mães efetuar um trabalho que deveria ter sido feito por bombeiros. Mas os cadáveres que estavam ali eram de gente considerada descartável e não merecedora disso pelos governantes...
O fato é que, nem bem transcorreram seis meses do massacre do Jacarezinho, o Rio se vê diante de nova chacina de jovens moradores de favela. O script é muito parecido. Diz a polícia que a maioria dos mortos tinha passagem pela polícia – o que talvez não seja inteiramente verdadeiro e, mesmo que fosse, não seria justificativa para a execução. Lembra, também, a morte de um policial no início da operação, como se esse episódio, lamentável, justificasse atos de vingança.
É evidente que a cultura que estimula a violência e o assassinato de supostos bandidos, liderada pelo presidente da República, semeia, aduba e dá cobertura a chacinas como essas.
É evidente, também, que o comportamento do governador do estado do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, uma figura débil, acaba estimulando esse comportamento por parte da polícia.
É preciso que a sociedade se mobilize.
Bolsonaro tem que ser responsabilizado por sua pregação da violência.
E Cláudio Castro precisa controlar a polícia, sob pena de ser apontado como cúmplice, por ação ou omissão, dessa sucessão de chacinas que ocorrem no estado que governa.
Como dizia Gandhi (1869-1948), "na linha do 'olho por olho', em breve tempo estaremos todos cegos".
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.