Quando era garoto, nas décadas de 60 e 70, algumas secretarias e ministérios continham vários nomes: turismo, cultura e esportes; infraestrutura, ciência e tecnologia; obras públicas e infraestrutura e por aí vai. Eram os tempos da ditadura militar e o fenômeno ocorria tanto nos governos em Brasília quanto com os seus interventores nos municípios, como era o caso de Santos.
Os tempos, às custas de muitas lutas e vidas, mudaram. Veio a democracia e, com ela, a restauração da dignidade dos serviços públicos e seus respectivos setores. Nós, da Cultura, assim como várias outras áreas chamadas de superestrutura, saímos detrás da vírgula e viramos setores que merecem, assim como todos os outros, investimento e atenção por parte do poder público.
Governantes insatisfeitos com os novos ares, sobretudo o presidente Jair Bolsonaro (Sem Partido), tentam a todo custo fazer a máquina do tempo andar pra trás. Para tal, como de praxe, tornam a enfiar a Cultura para dentro de outros setores. O da vez é o Turismo. Com isso, cometem dois erros empacotados em um só. Relegar a Cultura para o segundo plano e confundi-la com entretenimento, coisa para inglês ver e não um setor que precisa de fomento, formação e fruição.
Velhas práticas
Sob a velha e gasta justificativa da reforma administrativa, com o objetivo, segundo ele, de “melhorar a organização e eficiência da administração municipal”, o jovem prefeito de São Vicente, Kayo Amado, lança mão de velhas práticas e resolve acabar com a secretaria de Cultura da cidade e criar no seu lugar a Secretaria de Cultura, Esportes e Cidadania (Secec).
A sopa de letras não para por aí. A recém criada Secec vai reunir ainda as políticas Públicas da Mulher e da Juventude.
O prefeito avisa que a criação da nova secretaria não envolverá aumento de despesas. Tampouco, ao que tudo indica, não trará economias ao município. A mudança, portanto, servirá apenas para, assim como sempre fizeram os já citados acima, jogar a Cultura para depois da vírgula. Transformá-la, como eles sempre enxergaram, em um setor secundário.
Um governo forte é um governo feito por pessoas fortes, que entendam seus setores em toda a sua extensão. Que saibam lidar com seus interlocutores, suas dificuldades e pontos fortes. Um especialista em políticas do Esporte pouco ou nada sabe de Cultura e Cidadania e vice e versa.
“Melhorar a organização e eficiência da administração municipal” passa longe de relegar qualquer setor que seja para depois da vírgula, repito aqui. A Cultura, assim como o Esporte e todos os outros, são setores que precisam de especialistas, de políticas públicas certeiras, corretas, feitas por quem entende do assunto.
Nenhuma grande política foi construída assim
Não há um só caso em nossa história recente de uma grande política de Cultura, dessas que ficam para a história – como a Lei Rouanet, os Pontos de Cultura criados por Gilberto Gil e Juca Ferreira, ou o Facult, projeto de fomento do ex-vereador e ex-secretário de Cultura de Santos Reinaldo Martins – que tenha sido criada por algum subsecretário, por alguém que estava, insisto, depois da vírgula.
Artistas, produtores e fazedores de Cultura estão, com toda a razão, em alerta máximo contra as mudanças em São Vicente. O jovem prefeito Kayo Amado está errado, caiu no conto do vigário da administração enxuta e eficiente.
Kayo é admirado por vários amigos meus. Acompanho com interesse e esperança sua trajetória desde o início. A medida, descabida e anacrônica, o joga para o outro lado do muro. Espero que seja revista, pelo bem dele e da cidade de São Vicente.