Não é 28 de outubro de 1922, quando uma horda de celerados liderada por Benito Mussolini marchou pelas ruas de Roma exigindo do rei Vittorio Emanuelle III o poder político total na Itália, numa ato de chantagem descarada travestido de revolução. Ainda sim, o monstro do fascismo está longe de estar sepultado no país europeu peninsular.
Rachele Mussolini, neta do ditador fascista que morreu fuzilado pelos partigiani e teve seu corpo içado de cabeça para baixo na estrutura de um posto de gasolina na Piazza Loreto, em Milão, foi a vereadora mais votada nas eleições municipais de Roma, realizadas há dois dias, com 6.552 votos. Ela foi reeleita, uma vez que já ocupa o cargo desde 2016.
Filiada ao partido de extrema direita Fratelli di Italia, uma legenda que surrupiou o verso do hino nacional italiano para batizar uma agremiação recheada de neofascistas assumidos, Rachele é um caso claro de como seu país não soube sepultar definitivamente o cadáver de seu avô, como ocorreu em Portugal e na Espanha com saída de cena da vida pública dos herdeiros de sangue de António de Oliveira Salazar e Francisco Franco, respectivamente. No caso alemão, de Adolf Hitler, uma comparação é algo mais difícil, já que o genocida não deixou herdeiros e nem há vestígios de familiares de sangue por lá.
Além de Rachele, um outro descendente do Duce também é memória viva entre os italianos, às vésperas de se completar o centenário da chegada de Mussolini ao poder. É Romano Mussolini, de 18 anos, bisneto do ditador e zagueiro contratado pela Lazio em março deste ano. Para provar o que dizia a Resistência Italiana, que todo 'facho' é covarde, Romano goza do "prestígio" do clã, mas usa o sobrenome do outro lado de sua família, Floriani.
Nesse caso, a piada já vem pronta, pois o clube da capital italiana, que rivaliza com a Roma, é uma agremiação esportiva assumidamente fascista e tem uma das torcidas mais detestáveis da história do futebol.
Gli Ultras della Lazio já abriram faixas direcionadas a clubes adversários onde se lia "squadra di neri" (time de negros), além de criticarem a contratação de atletas com origem judaica. Em 1998, o mesmo bando levou enormes faixas onde diziam, dirigindo-se aos judeus: Auschwitz, la vostra patria - I forni, le vostre case (Auschwitz, a vossa pátria - Os fornos, a vossa casa), em pleno Estádio Olímpico de Roma.
Eles têm como ídolo o zagueiro romeno Stefan Radu, que em 2012 comemorou um gol fazendo a saudação fascista de levantar o braço diante do corpo, similar ao cumprimento dos nazistas.
A presença viva de Rachele e Romano Mussolini no seio da vida social italiana, seja no parlamento romano ou dentro de campo no esporte mais popular do país, desgraçadamente mostra que o pesadelo da violência do antepassado, do precursor da assassina ideologia fascista, está longe de causar horror aos seres humanos em sua totalidade e é um sinal de alerta para o resto do mundo.