“Nós somos uma aliança entre liberais e conservadores contra a esquerda que tava levando o país pro caminho da miséria, o caminho da Argentina, da Venezuela, com o empobrecimento da população”, disse Paulo Guedes para justificar a sua permanência no cargo.
Esse discurso revela um caminho adotado pela direita brasileira que se aproxima dos republicanos estadunidenses. A mesma infame aliança foi criada nos finais dos anos 1990 que acabou levando Bush filho à presidência dos EUA, culminando em um regime de terror internacional e numa crise econômica de proporções mundiais.
Michael Apple observa esta configuração da direita americana como uma “estranha combinação de mercados, retorno às tradições e valores perdidos, educação religiosa e gerencialismo dos critérios rigorosos e garantia de ‘qualidade'".[1]
Para a lógica brasileira, além dos religiosos e da classe média (presentes também no modelo norte-americano), temos também os militares que compunham essa combinação bizarra de forças reacionárias.
Os liberais, nos quais Guedes se coloca como um representante, não são como os clássicos, por isso, podemos chamá-lo de neoliberal. Enquanto o liberalismo clássico negava o poder do Estado, “o neoliberalismo passou a representar uma concepção positiva do papel do Estado na criação do mercado apropriado ao criar as condições, leis e instituições necessárias à sua operação”.[2]
E, de fato, esse é o plano. Como, por exemplo, na educação. O governo deve promover uma educação que prepare o aluno para inseri-lo no interesse das corporações econômicas, jamais para contribuir na construção de uma sociedade mais justa.
Contudo, para que este projeto neoliberal ganhasse força, ele precisou do apoio de outros setores como o religioso que também irá desejar colocar suas crenças no projeto de poder e controle social, como o enfraquecimento das discussões sobre gênero, raça etc...
“Os neoconservadores forjaram uma coalizão criativa com os neoliberais, a qual - de comum acordo com outros grupos – está mudando efetivamente a paisagem em que as políticas são debatidas”. “Mas, mesmo com a influência crescente das políticas neoliberais e neoconservadoras, elas teriam consideravelmente menos êxito se também não tivessem trazido fundamentos religiosos populistas e autoritários e os evangélicos conservadores para dentro do guarda-chuva da aliança conservadora”[3], explica Apple.
A semelhança com os EUA, dos finais dos anos 1990, é impressionante. A questão é que o Brasil não é hegemônico na economia internacional. Pelo contrário, sua posição caiu no ranking. A posição do Brasil no sistema-mundo é de produtor de commodities. Estamos longe de ser uma potência tecnológica e industrial.
Sendo assim, uma aliança reacionária como essa não levará o país para lugar algum e, se nos EUA levou para uma crise financeira mundial no final do mandato de George W. Bush, no Brasil, estamos fadados a sofrer uma crise solitária, ficando isolados assistindo ao crescimento dos outros países.
Os liberais clássicos que podem ser vistos por aqui, representados principalmente pela imprensa tradicional, não encaram bem essa bizarra aliança entre neoconservadores e neoliberais. Depredam o governo Bolsonaro dia e noite.
Contudo, enquanto os liberais clássicos e essa coalizão trocam farpas, o mercado sai ileso. A culpa do aumento do preço do combustível é de Bolsonaro, segundo a imprensa. O presidente, por sua vez, diz que é dos governadores. O aumento da pobreza é culpa de Bolsonaro, diz a imprensa. O presidente diz que é culpa do “fique em casa", propaganda estimulada pela mídia. Enquanto isso, o mercado não é responsabilizado por nada. Até as empresas farmacêuticas, culpadas pela CPI da Covid, são vítimas do caráter nefasto e genocida do presidente da República e de um experimento macabro orquestrado pelo chefe do executivo, que ministra remédios de laboratórios privados.
Parece que o Estado corrompe as empresas e não o oposto. E é óbvio que, na maioria dos casos, são as corporações que corrompem o Estado. E nessa aliança impudica, entre neoconservadores e neoliberais, o Estado será ainda mais corrompido pelas empresas, se não legalmente, pelo menos moralmente será.
[1] APPLE, M. Educação à direita. São Paulo: Cortez, 2003, p. 37.
[2] Id., p. 88.
[3] Id., p. 65.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.