A maioria dos historiadores, de diferentes posições teóricas, está de acordo que a revolução de outubro esteve entre os principais acontecimentos históricos do século XX. A desqualificação de Outubro como uma quartelada ou golpe de Estado, entre os muitos que se deram no século XX, embora volta e meia volte a ser feita de forma confessa ou dissimulada, não passa de um desatino. A insurreição do dia 25 de outubro foi um momento central no contexto de um processo revolucionário que era construído pela participação ativa de dezenas de milhões de soldados, camponeses e trabalhadores.
Qualquer análise honesta do século passado estará diante do desafio de reconhecer a originalidade única de Outubro, como a mais importante revolução social anticapitalista da história. A revolução dos sovietes mudou o mundo, e internacionalizou o bolchevismo como a principal corrente do marxismo.
A própria referência teórica da ideia de revolução, antes associada, essencialmente, ao padrão estabelecido pela revolução francesa de 1789, passou a ter em Outubro um novo paradigma. Assim, não é estranho que sejam raros os meses tão estudados na história como aqueles que antecederam a revolução de outubro. Entre fevereiro e Outubro de 1917 temos o modelo “clássico” de uma situação e de uma crise revolucionária.
Entretanto, outubro continua sendo uma experiência revolucionária original. Mas não por escassez de revoluções sociais. O XX foi o século das revoluções. Raros são os países, entre eles se destacam os EUA e a Inglaterra, as fortalezas históricas do capitalismo, que não viveram processos de revolução social. E ainda assim a Inglaterra esteve lá perto (conheceu situações pré-revolucionárias, ou algo muito próximo), pelo menos, duas vezes, a primeira, com a greve geral em meados dos anos vinte, e uma segunda nos anos 1970, durante o governo Labour de Harold Wilson.
E isso, mesmo se considerarmos os países centrais: França, Alemanha, Áustria, Itália, Espanha, Portugal, entre outros, conheceram, alguns mais de uma vez situações revolucionárias. O mesmo se poderia dizer, com mais razão, da maioria dos países chaves do mundo periférico.
O movimento dos trabalhadores se afirmou como o mais importante movimento social em escala mundial, pelo menos desde meados dos anos oitenta do século XIX. Depois da derrota do nazi-fascismo, naqueles países que a urbanização e industrialização já tinha pelo menos uma geração, a maioria da classe trabalhadora, ou seja centenas de milhões de operários, se uniu á causa do socialismo, em alguma de suas expressões, mais ou menos radical.
E, no entanto, resumindo o problema teórico em uma fórmula simples: estamos diante da questão da longevidade do capitalismo. Porque pode parecer muito razoável retirar conclusões teóricas quando consideradas essas escalas de temporalidade. Teria fracassado a esperança marxista de que os trabalhadores seriam o sujeito social da luta anticapitalista?
A transição socialista, a passagem do poder de uma classe privilegiada para uma maioria despojada, algo muito diferente da passagem de uma classe proprietária para outra classe proprietária, prometia, previsivelmente, ser um processo extremamente difícil. E na história tudo que é muito difícil tende a ser longo. Porém, o que a história revela como padrão é que, enquanto existir, uma classe social não pode renunciar à defesa de seus interesses.
Cento e cinquenta anos de luta contra o capitalismo teriam sido mais que o bastante. O argumento é forte, mas não é novo. Essas posições não surpreendem em períodos de refluxo prolongado, ou depois de derrotas muito sérias. E a restauração o capitalismo foi uma derrota histórica devastadora. O impressionismo é, no entanto, perigoso em política e fatal em teoria.
Os receios, angústias e hesitações diante dos desafios da luta de classes se alimentam na força de inércia que atua, poderosamente, no sentido de manutenção e conservação da ordem. As forças de inércia histórica se apoiam, por sua vez, em muitos fatores materiais e culturais. Eles não devem ser subestimados. É porque são grandes, que as transformações históricas foram sempre lentas e dolorosas.
São necessários grandes intervalos para que a classe trabalhadora possa se recuperar da experiência de una derrota histórica, e consiga gerar uma nova vanguarda, recuperar a confiança em suas próprias forças, e encontrar disposição para arriscar de novo pela via da organização coletiva, da solidariedade de classe, e da mobilização de massas.
A História está repleta de episódios de rendição política de forças, movimentos, frações, partidos, lideranças e chefes. Mas as classes populares não “desistem”. Recuam, interrompem as hostilidades, diminuem a intensidade dos combates, duvidam de suas próprias forças, mas, enquanto existem e resistem, acumulam novas experiências, reorganizam-se sob novas formas e voltam à luta.
As classes podem agir, por um período maior ou menor contra os seus próprios interesses. Mas nenhuma classe social faz “haraquiri”. As batalhas, os combates, cada luta são nessa escala, em uma perspectiva histórica, sempre batalhas parciais e transitórias, vitórias ou derrotas circunstanciais.
As relações de forças se alteram, e podem ser mais desfavoráveis com sequelas mais duradouras. Mas não existe “suicídio” político para uma classe social.
Outros Outubros virão!
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.