É preciso refletir sobre as dificuldades de se implantar lockdown no Brasil. Sei que o argumento central deste post vai desagradar muita gente. Não é que não concorde com cientistas renomados como Miguel Nicolelis, que defende o lockdown. É que considerando fatores culturais, históricos e socieconômicos do Brasil estou convencida de que precisamos conhecer experiências de outros tipos de isolamento/controle, pois lockdown baseado no modelo europeu, aqui está fadado ao fracasso.
Vou elencar alguns motivos para o meu argumento:
Fator Geracional
O primeiro deles é geracional. Os idosos se protegem mais, mas os jovens transmitem mais, porque dão menos importância aos protocolos. Uma grande parcela da população brasileira é jovem, seja classe média ou pobre, preto ou branco, gay ou hétero vimos como agiram irresponsavelmente no ano novo. (veja aqui, e aqui, por exemplo).
A morte não está no horizonte da juventude, o prazer, a festa, o encontro com os amigos, o fator gregário, muito forte na cultura brasileira, é ainda mais intenso nesta faixa etária. Assim, sem campanhas específicas que sensibilizem a juventude, o vírus continuará a se espalhar em velocidade estonteante.
Além de campanhas bem feitas para esta faixa etária que com seu comportamento é a maior difusora do contágio é preciso testar de fato este grupo e essa faixa etária precisa ser vacinada.
Fatores socioeconômicos
Não há como ignorar as enormes diferenças de nossa realidade socioeconômica e a dos países europeus ao falar de lockdown.
Grande parte da população brasileira não tem nem moradia adequada (com vários cômodos que possibilitem isolamento e acesso a saneamento básico), para seguir os protocolos de prevenção. Neste sentido, todo governador que quer votar com aula presencial é irresponsável e genocida.
Vejamos: mesmo com a vacina já sendo aplicada no Reino Unido, o governo decretou novamente o lockdown e fechou escolas, lugar onde ocorreu o triplo de surto de covid-19 em relação aos hospitais!
Nossa realidade é de 14 milhões de desempregados, 10 milhões de desalentados e a grande maioria dos trabalhadores e trabalhadoras exercendo trabalhos precarizados. Com o fim do auxílio emergencial, os pobres precisarão comer e não ficarão confinados, é urgente que o Congresso socorra o povo e não os bancos.
Fatores Culturais
Finalmente, gostaria de apontar dois traços de nossa cultura: somos ao mesmo tempo gregários e indisciplinados.
Gostamos de nos reunir no boteco, no pagode, no churrasco, no funk, nos jantares. A indisciplina é fator de resistência histórica em corpos chicoteados na escravidão, controlado nas fábricas, nas escolas, dentro de casa. Assim, sem convencimento, sem genuinamente as pessoas entenderem que usar corretamente a máscara, lavar as mãos, evitar concentrações são práticas que salvarão sua vida e a dos demais, o brasileiro médio não se convencerá.
Neste sentido, a necropolítica de Bolsonaro, as cretinices irresponsáveis de Neymar, as bobagens ditas por Elba Ramalho, o oportunismo canalha de pastores empresários continuarão a matar muita gente.
Estes genocidas, oportunistas, seres sem empatia e amor ao povo brasileiro continuarão levando a melhor na defesa dos interesses do Capital, a quem realmente servem: reduzindo a população de idosos (sem aposentadoria) e matando a população preta e pobre (sem direitos).
Não derrotaremos o vírus sem derrubar o verme miliciano e seus correligionários.
Sem sensibilizar a população com diferentes linguagens, para conscientizar todas faixas etárias, vamos continuar chorando nossos mortos.
A luta contra a covid-19 é luta de classes, é luta contra o capitalismo que, para continuar a acumular, precisa matar um grande contingente populacional.
Nossa pauta é a defesa do SUS, vacina para todos e todas, aumento da testagem, manutenção do auxílio emergencial.
Sem isso a necropolítica vencerá.