Não que eu deseje que políticos como Trump ou Bolsonaro cometam suicídio no sentido físico, mas o suicídio político é inevitável. Grande parte da indústria capitalista vem aderindo ao progressismo. Não é à toa que Facebook, Google, etc., apagaram as contas do presidente norte-americano por suas declarações retrógradas.
É uma questão econômica. Nada tem a ver com democratas e republicanos, ou esquerda e direita. A indústria cultural, por exemplo, aprendeu a fazer dinheiro com as lutas identitárias defendendo as liberdades individuais. Por conta disto, as empresas que, necessariamente, precisam construir uma boa imagem pública, também passaram a adotar medidas antirracistas, a contratar mais mulheres para cargos superiores, etc.
Acompanhando as novas formas didáticas de disseminação do ponto de vista norte-americano sobre a experiência humana na Terra, a visão progressista se espalha pelas mídias e empresas de diversos ramos que prezam pela imagem. É uma nova moral que está sendo adotada para manter o funcionamento do capitalismo, produzindo novos produtos, absorvendo novos consumidores.
Não confundir ideologia com moral é indispensável. A ideologia neste caso é um instrumento de dominação econômica, capaz de fabricar razões e hábitos que nos levem ao consumo narcisista desenfreado. Ou seja, pode estar havendo uma transformação na moral para manter uma ideologia necessária para a sobrevivência do capital. Pode haver um etos infantilista, como explica Benjamin Barber num estudo formidável, mas há também um etos progressista, manipulado pelo mercado, para ampliar o consumo.
Se os políticos e grupos da sociedade civil não se adaptarem a tal processo, eles serão obrigados a mudar de planeta, já que o mercado não pode mais se restringir apenas à demanda dos heterossexuais brancos. Ele precisa se expandir. E como não há mais lugar para ir no planeta, é preciso criar um mercado consumidor plural, inventar novas identidades, etc.
É necessário fetichizar a própria identidade para se vender uma mercadoria fetichizada. Assim como consumir cerveja, ver futebol e outras coisas transformava o consumidor em mais homem; ou produtos de maquiagem tornavam a mulher mais mulher; produtos são produzidos para tornar o negro mais negro, o homossexual mais homossexual e a mulher moderna uma mulher moderna.
A indústria cultural vem fabricando uma série de heróis que representam as minorias para que o projeto de fetichização da identidade seja promovido. Estes heróis são produtos consumidos ao lado de outras mercadorias fetichizadas, específicas para cada identidade ou grupo social.
O mercado não é mais capaz de suprir seus lucros vendendo apenas o “útil” (comida, roupa, material de construção…), ele precisa estimular o consumo do inútil. Concordamos com Barber neste ponto. Mas também é necessário diversificar esses consumidores do inútil, construindo produtos que atendam às necessidades ideológicas de todos. Inclusive para os conservadores, onde um mercado gospel se expande de forma avassaladora (não podemos excluir a existência de evangélicos progressistas, porém, um mercado específico para este grupo ainda é muito restrito).
Os habitantes dos países desenvolvidos, “cujas necessidades essenciais já foram satisfeitas, mas que têm meios para satisfazer necessidades ‘novas’ e inventadas”, são os grandes alvos do capitalismo que encontrou neles sua principal fonte de renda. Isso é decorrente de uma considerável melhora das condições de vida nos últimos 100 anos, em grande parte, graças ao Estado de bem-estar social.
Essa região (basicamente o hemisfério norte), com maior poder de compra, ficou ávida por novas formas de consumo. O capitalismo não quer saber se várias regiões do mundo ainda estão carentes de produtos necessários, de subsistência, com pessoas morrendo de fome, etc. Seu objetivo é o lucro. Como disse Barber, “nesta nova época em que os necessitados estão sem renda e os abastados estão sem necessidades, a radical desigualdade é simplesmente estimada”. Foi-se o tempo do capitalismo produtivista. Adentramos na era do capitalismo consumista.
Não se trata, evidentemente, de uma questão solidária por parte das empresas, mas de sobrevida do capital. Se o capitalismo mantiver-se conservador, no feijão com arroz, ele vai perder um mercado consumidor gigantesco. Por isso que o mercado vem investindo em representação, em diversidade, multiplicando os produtos das prateleiras.
A própria perspectiva sociológica que elimina a sociedade de classes em nome de uma sociedade de risco, na qual se critica os diversos elementos da indústria que põem em risco a vida do planeta, como a questão da energia nuclear, da destruição do meio ambiente, contribuiu diretamente para esta nova perspectiva do capitalismo que deixou de ser produtista para se tornar consumista.
A extrema direita, que fala em nome da velha moral, já incompatível às necessidades do capital, causou um grande mal à população, criando inimizades conjugais e aprovando leis impopulares, valorizando os interesses dos patrões na relação entre capital e trabalho. Encontra-se agora à beira do abismo - a queda de Trump é um sinal disto - prestes a cometer suicídio político por sua incompatibilidade em relação à nova dinâmica do capital.