*Por Mariana Janeiro
Tem gente que acha que eu calo demais. Pode até ser.
Acontece que “eu não sei dizer nada por dizer, então eu escuto”. Mas aconteceu agora: um estrondo. Uma discussão daquelas. No meu QUASE gritar, parei uns dois segundos antes e pensei em quanto tempo fazia que eu não gritava com ela. Muito tempo. E por que? Porque eu consegui (não sempre, mas quase) não mais viver sob as expectativas dela.
A briga não era minha, os gritos não são mais meus também. Só escutei. Hoje, depois da discussão e no silêncio mais profundo que uma casa pode proporcionar, fiquei pensando no quanto a gente se espreme pra caber nas projeções dos pais. Esperamos um apoio, uma admiração por qualquer mínima coisa que a gente queira fazer ou ser.
Em vão, porque famílias antigas, conservadoras, pouco aprenderam sobre amar os filhos [nós] por aquilo que somos, pela liberdade que temos. As famílias amam as tradições que passam de geração em geração e rompem com os filhos que contrariam esses valores tão retrógrados. Frustramos gerações inteiras, eles pensam. Quebramos histórias repetitivas.
Essa nossa rebeldia é terra fértil. Pode ser a redenção de uma linhagem inteira. Por mim, eu só faço o que eu faço todos os dias, porque tive coragem de romper com tradições que não me serviam mais. Sim, dói não se sentir amado pelo pai ou pela mãe, mas dói muito mais fazer parte de algo que não funciona mais. Compensa viver uma vida inteira prometendo algo que não poderemos entregar na espera de algo que nunca iremos receber?
Os dramas familiares estão transbordando, por todos os lados que eu olho. É bom, porque nada mais ficará no mesmo lugar. Mas é pesado, tenso. Que a gente saiba ser quem dá espaço pra que as pessoas expressem raiva, ódio, cansaço, silêncio, antipatia. Que a gente saiba dar e receber tudo o que foi negado a mim, você, eles, todos nós, pelas nossas famílias [quase todas] tão arcaicas, engessadas.
Faz tempo que eu não me identifico mais com [apenas] sofrimento e é por isso que não prometo mais nada pra ninguém, mas me comprometo até o último segundo enquanto houver em quê e em quem acreditar porque nós somos os sonhos mais ferozes dos nossos antepassados.
*Mariana Janeiro é mãe, negra, feminista, socialista, filosofa, especialista em comunicação e semiótica. É vice-presidente do PT Jundiaí-SP e Secretária Nacional de Mobilização do PT