Tudo que há de podre: assassino(a)s, mentiroso(a)s e corrupto(a)s

Leia na coluna de Raphael Fagundes: "Mente-se para se chegar ao poder. É mentira porque é de propósito, o uso do falso para se atingir a um fim. E quando a verdade vem à tona, não se confessa que mentiu, ou que se enganou"

Witzel, Flávio e Jair Bolsonaro (Agência Brasil)
Escrito en OPINIÃO el

A capa do New York Times mostra a investigação iniciada contra a família Bolsonaro. Michelle Bolsonaro recebeu 89 mil de Queiroz, que ninguém ainda sabe explicar o porquê.

O filho “01” do clã está envolvido no esquema de rachadinha que levou o famigerado Queiroz à cadeia. Enquanto Carlos Bolsonaro está ligado, até a alma, ao esquema de fake news.

Eduardo Bolsonaro apoia o assassino que matou duas pessoas em protesto nos EUA. Há indícios da relação entre a família Bolsonaro e a morte de Marielle Franco. Sem mencionar no vilipêndio e no desdém de Jair Bolsonaro ao falar sobre as vítimas do novo coronavírus dignos de um serial killer.

A direita trouxe à tona tudo que há de ruim na sociedade brasileira. Assassinos, mentirosos e corruptos explícitos passaram a governar o país. Somente na família Bolsonaro achamos estas três infames categorias.

Wilson Witzel, governador do Rio de Janeiro, que se elegeu através deste discurso contra a corrupção, cristão e antiesquerdista hoje está afastado do governo acusado de se envolver em um esquema corrupto ligado à saúde pública do Estado.

O que falar da deputada Flordelis? Pastora que mantinha relações sexuais com os filhos adotivos e ainda foi a mandante do assassinato do marido.

Ainda tem o piromaníaco ministro do Meio Ambiente que assassina a fauna e a flora brasileira. Aí já é um outro nível de assassinato. A situação está tão ruim que podemos separar e classificar os assassinos por categorias.

Mente-se para se chegar ao poder. É mentira porque é de propósito, o uso do falso para se atingir a um fim. E quando a verdade vem à tona, não se confessa que mentiu, ou que se enganou. Não se diz que foi um mal-entendido, que não foi a intenção, ou um “eu disse isso, mas não foi o que quis dizer". Mesmo com a exposição da verdade, continua-se a negá-la. Na mentira política, como explica Patrick Charaudeau, “não há mentira que não seja voluntária”.[1]

É complicado. O fato é ditador. Exclui opiniões. O fato não inclui, pelo contrário, ele cria o estereótipo daquele que não sabe da sua existência: o ignorante. O fato cria seres. Os que o compreendem, os que refletem sobre ele, os que produzem a partir dele conhecimento, são chamados de eruditos, sábios, informados, intelectuais etc., etc.. Já os que o negam são taxados de idiotas, burros etc..

Opinião não é conhecimento. Podemos da opinião chegar ao conhecimento. Ela é a primeira etapa. Uma criança tem opinião. Como dizia os dicionaristas do século XIX, a opinião está relacionada à crença e à persuasão íntima.

É aqui que a mentira e a opinião se fundem. Os dois estão ligados à crença. Como diz Jacques Derrida em seu pequeno ensaio sobre a possibilidade de se escrever uma história sobre o tema, as mentiras são “atos intencionais destinados ao outro, a outro ou outros, a fim de enganá-los, de levá-los a crer".[2]

Lógico que o pensamento científico precisa persuadir, está também submetido a padrões retóricos. Contudo, não surge apenas de uma opinião particular. É como os paradigmas que se tratam de valores e crenças compartilhados em uma comunidade científica. Aqui não há liberdade. Por mais que um físico teórico ainda não tenha fatos para provar a sua teoria, ele está preso ao paradigma de sua comunidade.

A opinião já é diferente. Ela promove a ilusão de liberdade, na medida que questiona os fatos, e forja a ideia de que a conclusão foi alcançada por mérito próprio. Muito similar ao credo em Deus. Parece vir de dentro (embora saibamos que se trata de algo social). Portanto, as pessoas têm mais rejeição em negar aquilo que vem de dentro delas, que se conecta às suas lembranças, as suas angústias, do que aquilo que vem de fora, o fato. É como aponta Hannah Arendt sobre a discussão entre fato e opinião: “é melhor estar em desavença com o mundo inteiro do que em discórdia e contradição consigo mesmo".[3]

Opinião é fé, fato é o que põe a fé em discussão. Até meados do século XVII, Michel Foucault mostra que a episteme predominante, isto é, tudo o que está entre a palavra e a coisa observada, era a semelhança. As coisas só faziam sentido por parecença. E como a fonte de toda a verdade era a Bíblia, todos os acontecimentos terrenos deveriam ter uma correspondência bíblica. Tudo que viria a acontecer, já havia acontecido, assemelha-se com alguma passagem das Escrituras. Assim se formava o sentido.

O autor diz que outras epistemes foram inauguradas ao longo da história, mas pelo que parece, a boa e velha semelhança ainda persiste. Dobra-se os fatos a crença, e se eles não encaixam nesta, simplesmente não existem. O objetivo é reproduzir o discurso que se compreendeu e que parece ser compreensível por outros. Isso porque a vida pós-moderna, marcada por incertezas e angústias, torna as pessoas carentes por compreensão. Elas querem ser compreendidas num mundo que valoriza e mistifica os bem sucedidos, mas que não fornece oportunidade para todos. A mentira, que é composta apenas por elementos simbólicos persuasivos, que tem a finalidade de ser compreendida, mais até de que passar uma informação em si, é o caminho mais fácil para isso.

É assim que as fake news se propagam. É uma rede de solidariedade entre os que não querem uma resposta para o que não responde os seus anseios, que é o que, em muitos casos, é o que a ciência proporciona. O político se aproveita desse terreno fértil para compartilhar (e esta é a palavra-chave) uma mentira que lhe interessa. Foi assim que elegemos assassinos, mentirosos e corruptos.

Ainda é preciso aguardar as desculpas da grande mídia por resumir política a suposta corrupção da esquerda, além de dramatizar a violência urbana como um mal predominante sem refletir sobre as origens do mesmo (a concentração de renda e o domínio covarde do Capital sobre o Trabalho). Mas quando ela pedir desculpas, o que faremos?


[1] CHARAUDEAU, Patrick. Discurso político. Trad: Fabiana Komesu e Dilson Ferreira da Cruz. São Paulo: Contexto, 2006. p. 105.

[2] DERRIDA, J. História da mentira. Rio de Janeiro, Estudos avançados, n. 10, v. 27, 1996, p. 09.

[3] ARENDT, H. Verdade e politica. In: _______. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2013, p. 303.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum