Destacamento Blood, mais uma obra de arte de Spike Lee

Leia na coluna de Raphael Fagundes: Um negro, para votar em Donald Trump, tem que estar sofrendo de algum problema mental. O filme passa essa mensagem

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Spike Lee é extraordinário mesmo. Um negro, para votar em Donald Trump, tem que estar sofrendo de algum problema mental. O filme passa essa mensagem. Esse problema mental é o de ver uma “América”, que massacra os afrodescendentes, “Grande Novamente” (como fora na época da Guerra Fria, no auge do regime segregacionista).

Negros eram colocados na linha de frente na Guerra do Vietnã para lutar pelos interesses estadunidenses, além disso, “o belíssismo era identificado com os setores brancos mais retrógrados”. De Martin Luther King Jr que dizia, em 1965, que se tratava de “uma das guerras mais sem sentido da História”, a lideranças negras minoritárias, como Stokely Carmichael, que em 1967 num discurso em Havana, defendia a revolução total, inserindo as reivindicações afro-americanas para “mudar as estruturas imperialistas, capitalistas e racistas dos Estados Unidos".[1]

A visão conservadora que levou milhões de jovens a guerra, seguida pela visão conservadora que elegeu Ronald Reagan para levantar o moral dos derrotados, é a mesma que hoje elege Trump. O cinema, que sempre teve participação política, foi peça chave neste processo. Filmes como os do Stallone e Chuck Norris visavam a “remasculinização e o restabelecimento do poder branco masculino depois da derrota do Vietnã e dos assaltos ao poder masculino por parte dos movimentos feministas e dos direitos civis", explica Douglas Kellner.[2]

Isto é, muito parecido com ideal conservador atual que usa o termo “vitimismo” para resgatar essa visão retrógrada, machista e de superioridade branca.

O personagem do filme, Paul (Delroy Lindo), acabou traindo os seus “irmãos” e a causa negra por ter cometido algo durante a guerra (que se explica ao longo da narrativa) que o atormentará por longos anos, levando-o a acreditar nessa ideologia fajuta matadora de negros.

Tudo não passa - tanto hoje como outrora - da missão de travar uma batalha em campo ideológico para implantar um modelo econômico rígido. Por isso que o governo de Jair Bolsonaro, que se espelha nos conservadores norte-americanos, adota o mesmo procedimento político para impor seu terrível projeto neoliberal que a pandemia de Covid-19 vem retardando.

Os afrodescendentes iam para o campo de batalha defender os interesses de uma América branca, imperialista e recheada de "baboseiras anticomunistas", como diz Norman, personagem interpretado por Chadwick Boseman, o mesmo que interpretou o herói da Marvel, Pantera Negra. Lee tem um propósito em seus filmes, um propósito político, a história política afro-americana, um fio condutor que conecta toda sua obra. Mais uma obra prima do diretor.


[1] REDENTI, M. 1968: rebeliões e utopias. In: FILHO, D. A. R. (et. Al.) O século XX: o tempo das dúvidas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, 139.

[2] KELLNER, D. A cultura da mídia. Bauru, Edusc, 2001, p. 82

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum