A gestão de Jair Bolsonaro e dos seus grupos que orbitam o seu universo atuam de maneira cotidiana em torno de algo que os governos do PT abriram mão: a disputa e a formatação das mentalidades e do modo de vida da população brasileira.
O grupo que hoje está no poder sabe muito bem que apenas a economia não basta para mantê-los no poder e nem para expandir o seu raio de influência nos estados e municípios. É preciso travar uma guerra cultural, que por sua vez está sendo travada e neste momento o modo de vida tecnocrático com valores fundamentalistas avança com sucesso no Brasil.
A disputa cultural que os governos do PT não fizeram é a missão da gestão Bolsonaro. Não à toa seu foco é desmantelar a classe trabalhadora, precarizar até onde der as universidades (graduação e pós-graduação), incidir na educação de base proibindo discutir sexualidades e, quando der, militarizar o ensino fundamental.
Destruir as políticas de incentivo e promoção de cultura é também outro centro do atual governo. Basta olharmos no que foi transformado o Ministério da Cultura, que hoje não existe mais e, o atual ocupante, o ator Mario Frias, quer até mesmo decidir qual filme deve ser indicado ao Oscar, pois, a produção escolhida deve estar de acordo com a ideologia do governo federal.
Ao mesmo tempo em que visa fortalecer a casta dos mais ricos, o “bolsonarismo” desenvolve a ideia de que qualquer trabalho é melhor do que nada: “menos direitos, mais trabalho”.
No meio de uma crise econômica isso pode funcionar; o problema é se esse discurso se normalizar, se tornar uma conduta/modo de viver e isto, somado à guerra cultural estabelecida pelo governo Bolsonaro e os grupos que o apoiam, pode resultar numa ruptura temporal e ideológica sem volta no Brasil.
Porém, derrotar Bolsonaro na próxima eleição pode não ser suficiente se não cuidarmos de disputar as mentalidades e os modos de vida desde já. Os ministros Ernesto Araújo (Relações Internacionais), Damares Alves (Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos) e os filhos do presidente hoje operam uma máquina ideológica que avança por todo o Brasil e faz pontes internacionais.
Os discursos de que a China quer transformar o Brasil em uma “colônia comunista” ou de que a abstinência sexual é o melhor caminho à prevenção podem parecer absurdos a uma parcela da sociedade, mas, basta algumas conversas nos bairros para encontrarmos adeptos e defensores de tais narrativas.
A extrema direita brasileira já transcendeu Bolsonaro e está impondo um novo modo de vida no Brasil: família, trabalho (precário) e segurança (militarismo). A questão é: o que estamos apresentando como alternativa? Qual é o projeto de sociedade que temos para apresentar como contrapartida, onde as pessoas olhem e se sintam representadas? A equação não é fácil. Combater o populismo de direita nunca foi uma tarefa tranquila, ainda mais quando este conta com o apoio de boa parte dos meios de comunicação, setores religiosos e mercado financeiro.
Alguns setores da esquerda brasileira torcem o nariz para os novos grupos políticos de militância, o qual se chama pejorativamente de “identitários”, porém, são estes novos rostos que tem apresentado alternativas ao que está sendo posto: na educação, na comunicação, nas artes, na política e na economia.
Para superar o nevoeiro fundamentalista será necessário que os partidos e grupos consolidados deem espaço para as militâncias do século XXI e buscar um bom senso que alcance um projeto político que seja capaz de barrar a extrema direita no Brasil. Caso contrário, teremos décadas difíceis pela frente.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum