O Roda Viva desta segunda-feira (17), com Marcelo Adnet, teve uma cena que não é incomum neste programa: um dos entrevistadores tentando roubar a cena. No caso, foi um xará do entrevistado oficial: Marcelo Tas, o ex-apresentador do CQC, que, inconformado com a revelação de Adnet de que ele se considera uma pessoa com ideias progressistas, tirou da cartola o argumento de bolso de todo macartista raivoso, uma forma particular de “vai pra Cuba”.
“Você nunca reparou que em Cuba não existe humorista? Ou na China? Eu acho muito perigoso tomar um partido especialmente quando o humor é censurado, como no caso de Cuba. É um país muito triste”, disse Tas, que em nenhum momento fez uma pergunta, decidiu que era ele que dava as respostas, e ainda oferece uma contradição, já que tinha acabado de criticar o que chamou de “excesso de lacração da esquerda”.
Está claro que a intenção com esse argumento era “lacrar”, imaginando que ninguém teria conhecimento do humor cubano ou chinês para contestar essa informação que ele tirou do nada, sequer achou necessário comprovar o que disse. Assim como Tas, muitos tiozões de direita tentam utilizar esse argumento, sempre contando com a desinformação de quem responde. No entanto, abundam os exemplos capazes de desarmar essa ladainha.
Horas depois, Gregório Duvivier trouxe o exemplo do filme “Juan de los Muertos”, de 2011, ganhador do Prêmio Goya, um exemplo do humor cubano, que é conhecido mundialmente.
Quem conhece o cinema cubano sabe que possui enorme qualidade, e que suas comédias costumam se caracterizar pelo humor negro, desde os Anos 60, quando surgiu um dos seus maiores clássicos: “Muerte de un Burócrata” (1966), filme que, sem ser antirrevolucionário, contém forte crítica a alguns aspectos da Cuba dos primeiros anos da Revolução.
Na televisão também há humor crítico, e o caso mais célebre é o do programa “Vivir del Cuento”, uma espécie de “Chaves” cubano, protagonizado pelo personagem Pánfilo Epifanio, cuja piada-jargão é uma em que ele tira onda com a chamada “livreta de abastecimento”, com a qual os cubanos recebem produtos racionados da cesta básica.
O programa de Pánfilo é tão famoso em Cuba que já recebeu a visita de um presidente dos Estados Unidos em pleno mandato: Barack Obama, em sua passagem por Havana, em 2016, participou do programa e jogou dominó com Pánfilo. O comediante aproveitou que a partida estava “bloqueada” para fazer uma piadinha sobre o bloqueio econômico dos Estados Unidos, e ainda terminou com sua piada de sempre: “puxa, esqueci de pedir pra ele assinar minha livreta de abastecimento”.
Há muitos tipos de humor em Cuba, não só o de Pánfilo e o do humor negro cinematográfico. Todos eles costumam se reunir anualmente na Fiesta del Humor de San Antonio de los Baños – cidade que é conhecida no país por este evento e por ser o berço do genial cantor e compositor Silvio Rodríguez.
Um dos humoristas que sempre participava da Fiesta del Humor, e também de vários filmes e programas de televisão, foi Carlos Ruiz de la Tejera, um comediante conhecido em quase toda a América de idioma espanhol por seu célebre monólogo “Elogio à Risada”:
Enfim, Cuba tem muitos exemplos de humor, que talvez não sejam tão engraçados para nós brasileiros, porque o humor também envolve questões culturais. Eu moro no Chile, já morei na Argentina, e tardei anos em entender o humor desses dois países. Da mesma forma, quando mostro exemplos do humor brasileiro para amigos daqui, poucos são os que acham graça.
Esta reflexão vale para falar do humor chinês, que certamente existe – ou alguém acha que um país com mais de um bilhão de habitantes e uma cultura milenária não sabe rir? –, mas que provavelmente deve ser estranho para um paladar ocidental.
Do alto da minha ignorância, posso dizer que já vi filmes japoneses e coreanos com elementos que para essas culturas são considerados engraçados, e que não achei graça nenhuma.
Claro que estou saindo um pouco com aquele preconceito de achar que tudo que é oriental é parecido, mas o que quero dizer é que nem eu, nem o Tas, nem quase ninguém no Brasil conhece nada de humor da China para poder dizer que “não há humoristas lá”.
Provavelmente, o que eles acham engraçado lá não tem a menor graça aqui, e por isso algum mais arrogante pode tentar sair com essa de que “não existem humoristas”. Também é muito possível que eles também não achem graça do nosso humor tipicamente brasileiro.
Se bem que, até aí, eu também nunca achei o Marcelo Tas engraçado, e muita gente (ele mesmo) acha que é humorista. Talvez eu seja chinês e não sabia.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum