Vemos, atualmente, a dificuldade da sociedade brasileira, que preza a democracia, a solidariedade, a liberdade de um país extremamente generoso com seus filhos, catapultar-se em discórdias inexpressivas diante da grandeza de uma causa maior.
Esta causa maior seria reunificar o país para que se impeça um caos social, o prosseguimento do ódio político, que engendra este estado espiritual da nação, em uma contínua beligerância entre irmãos de uma mesma terra, de uma mesma fronteira.
Jango, o ex-presidente João Goulart, que sofreu na carne e no espírito o golpe de 1964, que adveio consigo a ditadura mais atroz que a nossa nação e nosso povo brasileiro sofreram no século passado, de cerceamento de liberdades, de torturas, mortes, sequestros e assassinatos praticados por agentes do Estado, morreu no exílio com o coração ferido.
Apesar disso, Jango morreu ciente de que lutou por todos os meios que tinha ao seu alcance contra o totalitarismo. Dentro da legalidade permitida e politicamente possível, para tentar, naquele momento, uma solução que pudesse enfrentar a ditadura instalada com sua queda, através de um golpe que ceifou a democracia por 21 anos no Brasil.
Frente Ampla
Em nome dessa luta, recebeu no exílio seu pior inimigo, que fez parte do golpe e realizou, até na Casa Branca, a conspiração contra seu governo e, anteriormente, contra o governo Vargas, que levou Getúlio ao suicídio: o senhor Carlos Lacerda, que vinha até ele, com Juscelino Kubistchek, propondo a missão de construir a Frente Ampla, para impedir o prosseguimento, cada vez mais prepotente, do governo de fato.
Grandeza de espírito. Ele justificava, naquele momento, cassado por dez anos em seus direitos políticos, que primeiro estava o Brasil, e que se a Frente Ampla fosse vitoriosa, já bastaria para depois da vitória, acertar posteriormente as diferenças políticas quando a democracia fosse restaurada.
Não foi possível a vitória da Frente Ampla, como sabemos, pois o AI-5, um golpe dentro do golpe, fechou mais o sistema, e mais sangue jorrou pelas calçadas, celas e masmorras dos quartéis de nossas Forças Armadas.
Vemos hoje as dificuldades de se construir uma frente que possa, antes de nada, criar um escudo para proteger nossa democracia contra o fascismo e a inoperância de um governo. Governo este que, a cada dia, se mostra mais agressivo contra as instituições, contra a vida humana diante desta trágica pandemia, que lota o Ministério da Saúde com dezenas de militares, que pensam em combater o vírus à bala.
Mas, enfim, devemos ter o dever de juntar em uma união nacional, extrapartidária, os camaradas, companheiros, amigos, conhecidos, divergentes nossos ideologicamente, adversários e, até talvez, pessoas que tenham entre si intolerabilidade empática, mas que acreditem na democracia. De direita, de esquerda, de centro, comunistas, trabalhistas, liberais, social democratas, que não queiram ver a volta do fascismo, da intolerância, da opressão e da violência.
Temos de ter a grandeza de distinguir que uma frente pela democracia, neste momento, não significa desde já uma frente eleitoral para 2022. Lá na frente, cada grupo, cada partido, cada instituição, cada sindicato ou cada movimento que integrem esta frente agora, terão sua liberdade e sua tática eleitoral para disputar eleições, formando alianças políticas que mais lhe convierem.
Não podemos ter a egolatria de ver nesta frente nacional pela vida, pela paz e pela liberdade, qualquer semelhança com uma aliança eleitoral, sem primeiro salvarmos a própria democracia e, por consequência, o próprio processo eleitoral.
A história nos mostra que é possível os homens terem atitudes altruístas de desprendimento, e o presente nos obriga a formar esta frente para abraçar o Brasil.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum