Nos últimos tempos tenho pesquisado bastante sobre as minicasas, um movimento de casas sobre rodas para quem gosta de viajar e busca um estilo de vida mais sustentável e minimalista. Mas não é pra falar das minicasas que resolvi escrever esse texto, acontece que, pelo meu interesse no assunto, comecei a pesquisar perfis no Instagram que trouxessem este tipo de temática e foi aí que acabei me deparando com alguns que me chamaram a atenção por terem mais fotos de mulheres vestidas no estilo Victoria Secrets, em cenas que forçavam uma imagética erótica para episódios banais da vida cotidiana, do que imagens de pessoas vivendo de maneira real o estilo de vida que um movimento como este prega.
A exploração dos corpos femininos pela mídia para vender um produto ou estilo de vida não é novidade, mas trago o exemplo acima para tratar de um outro fenômeno social, que é o da utilização das redes sociais como um novo espaço de disseminação desta cultura objetificante já tão exaustivamente propagada pela mídia tradicional. Acontece que, se antes era gritante o machismo existente num comercial de TV com uma mulher seminua vendendo cerveja, agora as coisas ficaram um pouco mais sutis e talvez mais difíceis de serem identificadas.
Isso acontece em parte porque cresce nas redes sociais uma certa crença de que a superexposição de corpos de mulheres padrão, hiperssexualizados, seria também uma forma de exercício do feminismo. Com isso, o que vemos é uma profusão de imagens de corpos “photoshopados” em poses milimetricamente calculadas com o objetivo de esconder qualquer possível “defeito”, acompanhadas de hashtags como #girlpower ou algo do tipo.
É importante destacar que não estou falando aqui de uma nudez naturalizada e contextualizada capaz de contribuir para que as mulheres se relacionem melhor com o próprio corpo, aumentando sua autoestima, muito pelo contrário, pois os corpos considerados fora do padrão continuam sendo invisibilizados dentro desse contexto.
O que talvez ainda não esteja evidente para a maioria das pessoas é que vivemos em uma sociedade que trata nossos corpos como mercadorias, nada além de produtos exibidos nas vitrines da mídia e agora expostos gratuitamente nas redes sociais. O capitalismo e o patriarcado estão sempre renovando as suas formas de dominação, então, se antes a violência era exercida, entre outras maneiras, através de legislações machistas, agora ela opera através de jogos psicológicos quase imperceptíveis que nos fazem acreditar que estamos exercendo nossas próprias escolhas sobre nossos corpos e sexualidade quando na verdade estamos servindo para alimentar uma estrutura de poder que lucra tanto com o uso da nossa imagem quanto com a nossa insegurança diante dela, não é a toa que a indústria da beleza é uma das mais lucrativas que existe.
Para a filósofa Alicia Puleo, este discurso promovido pelo patriarcado, travestido de uma narrativa de empoderamento feminino, apenas reafirma a sujeição dos nossos corpos ao escrutínio masculino, levando-nos a uma posição de dependência simbólica, cuja existência se dá, em primeiro lugar, para o olhar, aprovação e “like” do outro, pois aprendemos desde muito cedo que nossa aparência física é fator preponderante para sermos escolhidas e amadas. Assim, muitas acreditam estar exercendo um poder libertador ao se expor nas redes, quando na verdade estão somente reproduzindo uma lógica de subserviência que nos mantém nesse lugar da objetificação a que nossos corpos foram relegados.
E esse tipo de exposição ainda pode gerar outro problema, que é a formação dos ‘algoritmos machistas’. Como assim? Simples, os algoritmos são códigos matemáticos que definem o que será exibido no nosso feed de notícias conforme aquilo que mais curtimos e comentamos, criando uma bolha. Bem, sabemos que fotos de mulheres hiperssexualizadas possivelmente terão mais curtidas dos homens do que fotos que não tenham o mesmo apelo. Isto significa que quanto mais curtidas este tipo de foto tiver, menos outros conteúdos relevantes serão vistos, reduzindo nossa existência nas redes a corpos expostos para o deleite masculino. Consequentemente, homens terão suas timelines cada vez mais preenchidas por estes corpos, o que contribui para a normalização de padrões irreais de beleza, além de reduzir o espaço para outras pautas mais importantes para nós do que a nossa aparência física.
Neste sentido, trago para reflexão um trecho da fala de Joice Berth em seu livro O que é empoderamento (sugiro fortemente a leitura), onde ela diz que “nudez não é empoderamento, principalmente a nudez padronizada, de corpos escolhidos para compor um padrão excludente e racista de beleza”. Para ela, empoderamento é a consciência de que corpos padrão são objetificados e usados para invisibilizar os corpos preteridos.
Falar em empoderamento é lembrar sobre a importância de acolhermos umas às outras em nossas lutas, entendendo que vivemos situações diferentes de discriminação, opressão e abuso. Assim, mulheres privilegiadas devem se conscientizar sobre a sua situação de privilégio para apoiar aquelas que não compartilham da mesma situação. E empoderar-se, neste caso, é mudar esta estrutura machista que pauta que tipo de corpos são aceitos como belos, é ressignificar o conceito de beleza e amar nosso corpo como ele é, fazendo disso um ato revolucionário.
Talvez seja o caso, então, de pensarmos sobre aquilo que postamos nas nossas redes sociais e se com isso estamos de fato contribuindo para a conquista de uma verdadeira libertação feminina ou se, pelo contrário, estamos servindo de base de apoio para a perpetuação desta violência simbólica que o machismo exerce tão fortemente sobre nossas vidas e, principalmente, sobre a vida de todos os corpos considerados fora do padrão.
*Esse artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.