Por Ísis Brum*
É uma luta - quase sempre perdida – convencer os jovens a ler. Depois, trava-se outra em nome da qualidade do que se lê, sendo necessário ponderar que não bastam os títulos e as inferências que se faz sobre o conteúdo exposto no feed das redes sociais. É que ocorre a muitos leitores juvenis adivinhar as informações por trás das letras garrafais e das fotos chamativas e replicar as suas impressões como se constassem do material não lido. Fazem o mesmo durante as produções de texto em sala de aula.
Nestes 7 anos em que venho lecionando a disciplina de Redação, são recorrentes as queixas com a matéria pela falta do que dizer. Em geral, o desabafo é seguido da justificativa: “e também não gosto de ler”.
Entretanto, não há fórmula mágica para resolver a questão, posto que vocabulário e repertório resultam de leitura regular e relevante. Para a técnica, dá-se um jeito. Conteúdo, é mais complicado. Há tentativas de encapsulá-lo para atender certas demandas, como a do vestibular, mas creio que o debate seja maior que isso.
Os dias passam, os anos avançam e os novos, que chegam com acesso cada vez maior a uma gama ilimitada de informações, apresentam vocabulário tanto mais encurtado, frases sempre mais imprecisas ou desconectadas da realidade. Para eles, é cada vez mais desanimador ler uma página inteira de Machado de Assis ou de Guimarães Rosa. Ou uma notícia.
O mundo se estreita. Do mesmo modo como faltam palavras para expressar-se, faltam para formular um pensamento crítico, para promover uma reflexão, para criar uma dúvida consistente. Na forma crua e, muitas vezes, desorientada da juventude interagir com o mundo, prevalece o maniqueísmo limitador da infância: a polarização de ideias, em que ou tudo é aceitável ou tudo é negável, segundo a conveniência individual e “pessoalizada”, no sentido em que diz respeito apenas a ela mesma. Não seria este um campo fértil para a assimilação de notícias falsas?
Winston, o protagonista de “1984”, de George Orwell, inicia sua saga tentando escrever um diário “para o futuro, para os não nascidos”, e logo depara-se com a dificuldade de expressar-se. A novilíngua, o idioma fictício da Oceania, onde se passa o romance, caracteriza-se pela condensação de palavras-conceitos e/ou da supressão de termos.
É assim que o governo autoritário do Grande Irmão reduz a esfera de conhecimento, a capacidade exclusivamente humana de pensar. O que não se pode designar, não existe. A desconstrução da linguagem pela sua frivolidade, pela sua simplificação perversa, é um projeto de dominação política, a qual abre espaço para outra estratégia de manipulação: a do duplipensamento, isto é, transmitir e tornar aceitáveis verdades contraditórias, como o slogan tríplice que caracteriza o regime: “Guerra é Paz”, “Liberdade é Escravidão”, “Ignorância é Força”.
É nesta seara que ficção e realidade se encontram: os campos ociosos da ignorância possibilitam a semeadura de qualquer informação, inclusive, daquelas premeditadamente falsas, erigidas a partir de um vocabulário simplório, em frases imperativas e dominadas por certezas absolutas. O direito ao contraditório inexiste.
Não surpreende, portanto, as fake news flertarem com o fascismo na medida em que não se abrem para o diálogo ou para o questionamento. Encerram-se na sua autoridade forjada para retratar a realidade de um único e derradeiro ponto de vista.
Para o mal do século 21, o remédio é a leitura. Leitura para os jovens, leitura para os adultos, leitura para os idosos e também para as crianças. A leitura crítica possibilita a apropriação do conhecimento em direção ao progresso e ao bem-estar comum num modelo social saudável.
Se estamos distantes demais dessa utopia, vejo-a ainda mais necessária, entendendo-a como um propósito de vida para o qual nos alinhamos e criamos estratégias para alcançá-la através das gerações, como num pacto mais longo e altruísta entre o presente e o futuro.
Nós, como educadores, como família, sociedade e Estado, temos o compromisso de buscar meios de conscientizar os nossos adolescentes sobre a leitura, pois não há chance de futuro promissor para ninguém quando a juventude se desenvolve como massa acrítica, apática ou violenta, indiferente ou resistente aos desafios que a vida impõe – e a vida é política, e a política norteia todas as relações humanas.
Não se lida com notícias falsas, com o autoritarismo, com o racismo, com a homofobia sem promover leitores. Não se faz política de verdade onde campeia a ignorância. Uma pesquisa feita pelo Banco Mundial, em 2018, mostrou que os estudantes brasileiros levarão 260 anos para atingir o índice de proficiência em leitura dos países desenvolvidos: mais de dois séculos e meio. Esta deficiência não está apenas nas escolas públicas, onde o contexto socioeconômico piora a condição dos estudantes, mas atinge também as redes particulares.
Ler é um ato de rebeldia porque amplia a consciência e a visão de mundo, tanto pela narrativa de ficção ou de não ficção. Fossem os livros inofensivos e não seriam motivo de perseguição e censura por regimes autoritários à direita e à esquerda ao longo da história humana, como evidencia Mario Vargas Llosa em Cartas a um jovem escritor.
Mas instruir um adolescente na leitura crítica exige postura compatível por parte dos pais, dos responsáveis e dos educadores, de modo que educá-los melhor passa por esta parceria necessária (sempre que possível) da escola com a família. O que se não pode esperar é um modelo exemplar de juventude quando se exime de orientá-la. Quaisquer que sejam as escolhas, seremos todos afetados por elas. Que saibamos cumprir o papel que nos cabe para o modelo de sociedade que desejamos.
*Ísis Brum é jornalista especializada em Jornalismo Literário, pedagoga e professora de Redação