Paulo Galo: "A classe trabalhadora não é pé de coentro, a gente é baobá"

"Eu acredito na organização da classe trabalhadora. Se eu vejo futuro nisso? Como vejo! Eu durmo sonhando com isso, acordo pensando nisso, passo o dia inteiro pensando nisso."

A classe trabalhadora não é coentro, é baobá. Paulo Lima, o Galo, 01/07/2020 no Fórum Sindical
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Baobá é uma gigante árvore africana, a árvore imortalizada no livro infantil de Saint Exupéry O pequeno príncipe.

Em nossa live de ontem, o programa Fórum Sindical, que toda às quarta-feiras reúne debatedores para falar sobre o mundo do trabalho e a classe trabalhadora, Paulo Lima- o Galo-, entregador anti-fascista, fez a seguinte metáfora: "A classe trabalhadora não é pé de coentro que cresce rápido, para ser consumido, a gente é baobá".

A imagem é poderosa: o baobá atinge mais de 10 metros de altura e há árvores que têm existência de mais de 6.000 anos. Os baobás no Brasil, cujas sementes foram trazidas por africanos e portugueses, têm a idade da escravidão. Galo sabe que a luta da classe mais robusta, que compõe a maioria da população, contra a espoliação nessas terras, tem a idade de um baobá criança. Há muita luta acumulada, mas há muita luta por ser feita, na paciência de um baobá.

Já o coentro, o outro lado de sua metáfora, é planta frágil, cresce rápido, no ritmo capitalista e esse ritmo está nos matando, nos envelhecendo mais rápido, nos adoecendo mais rápido, nos endividando, consumindo gente e planeta com uma fome insaciável. O coentro tem propriedades calmantes e na classe trabalhadora urge a luta, a resistência, a resiliência de um baobá milenar.

Freirianamente, Galo escuta os demais debatedores: Rodrigo Rodrigues, presidente da CUT-DF, Tadeu Porto dirigente do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense e da diretoria da FUP, Fausto Augusto, cientista social e diretor técnico do Dieese. Em sua escuta o motoboy antifascista aprende, processa e reelabora e assim, a cada diálogo vai sendo gestado um intelectual orgânico que tem orgulho de se dizer de esquerda e ao explicar a seus companheiros o que é ser de esquerda resume: "A esquerda defende os trabalhadores, a direita defende o patrão. De que lado você quer estar?"

Nesta live de escuta e verdadeiro diálogo, Rodrigo Rodrigues explicou como a CUT-DF abriu seu espaço para os trabalhadores de rua terem um lugar para ir ao banheiro, lavar as mãos, beber água, carregar o celular. Contou sobre a mobilização da CUT-DF para aprovação de um projeto de lei que crie no desértico plano piloto de espaços sociais, pontos de apoio para os trabalhadores como os taxistas têm. Rodrigo fortaleceu a ideia de solidariedade de classe.

Tadeu Porto colocou o sindicato à disposição para a luta dos trabalhadores de aplicativo. Tadeu trajava por baixo de seu jaleco de petroleiro a camisa do Galo, time mineiro, criando o elo com o Galo, motoboy antifascista, fortalecendo a identidade de classe com símbolos caros à classe trabalhadora, como o futebol. Tadeu ressaltou a importância da greve histórica dos trabalhadores de aplicativo como IFood, Uber Eats, Rappi ocorrida ontem (01/07). Essas plataformas que na média pagam, 70 centavos por quilômetro rodado a trabalhadores com jornadas de mais de 24 horas, que chegam a dormir na rua, porque a distância de onde vivem para onde trabalham não compensa o retorno e a exaustão física, por vezes, não permite o retorno. Trabalhadores fundamentais em tempo de pandemia que giraram uma riqueza de 17 bilhões de reais em 2019 para essas empresas e que não contam com nenhum direito, que adoecem mais na pandemia, pelos riscos de contágio e pelas jornadas sem limites e pelos riscos de acidente de trânsito no tempo louco do capital.

No diálogo proposto no Fórum Sindical, especialmente num processo de escuta, Tadeu pergunta a Galo: "Qual pauta conjunta entre petroleiros e entregadores?" e lembra que os petroleiros defendem o preço justo do combustível, insumo fundamental para o trabalho dos entregadores. Sugere que petroleiros, com mais de 60 anos de história sindical, possam fazer como os brancos nos EUA na luta antirracista e se colocarem na linha de frente para a proteção e em solidariedade aos trabalhadores que estão em processo de organização.

Fausto Augusto do Diese fez um panorama do mercado de trabalho no pós golpe, durante a pandemia e as perspectivas para o pós pandemia. Explicou que com o aumento da elevação da taxa de desemprego, mas principalmente, com o aumento do desalento- número de trabalhadores que desistem de procurar emprego porque não encontra trabalho-, mais de 7 milhões de trabalhadores perderam postos de trabalho nestes três meses de pandemia. "O número de ocupados está encolhendo de forma acelerada", ressalta o cientista social, e prossegue: "As pessoas que perderam trabalho sequer conseguem procurar trabalho" Além disso, Fausto Augusto destaca outro dado preocupante que empobrece a classe trabalhadora e acelera a depressão econômica: a compressão da massa salarial de modo acelerado. Lembra ainda que só não estamos pior, porque os movimentos sociais e sindicais garantiram o abono emergencial à revelia de Bolsonaro e Guedes.

Galo foi a estrela da noite, depois de escutar cada um ele traduz por vezes de modo poético a linguagem da luta de classes para que todos possam entender. Paulo evita os chavões do brasileiro cordial e engrandece seus iguais das periferias: "o povo não é burro", nós precisamos escutá-lo, dá a dica para aqueles que vão para as periferias com receituário pronto, que periferia não é púlpito de igreja pra pastor fazer sermão.

Galo é um intelectual orgânico aprende na escuta, no diálogo e tem dialogado muito nas inúmeras lives que anda participando, tem aprendido e ensinado outro tanto: "O meu sonho é uma classe trabalhadora unida, organizada, pronta pra luta, os petroleiros gritam os entregadores vem ajudar, os metroviários, os bancários... os caras querem rasgar a carteira de trabalho, temos motivos para nos unir, a uberização vai chegar pra todo mundo igual a revolução industrial que atingiu a todos, a uberização chegará a todas as categorias."

Sobre sua filiação ideológica: "Os caras perguntam pra mim: Hei, Galo, você é de esquerda? ele responde: "Sou de esquerda, tenho orgulho de ser de esquerda"
Como é que é ser de esquerda? a resposta é cristalina: "A esquerda defende o trabalhador, a direita defende o patrão, escolhe aí seu lado". e complementa: "Não fico tímido em afirmar isso não, estou do lado do trabalhador até o fim. Eu acredito na organização da classe trabalhadora. Se eu vejo futuro nisso? Como vejo! Eu durmo sonhando com isso, acordo pensando nisso, passo o dia inteiro pensando nisso."

Solidário na luta, Galo anuncia a greve dos metroviários marcada para o dia 8 e afirma que vai estar lá apoiando. "Os caras são trabalhadores, eu sou trabalhador, por que eu não tenho de estar lá? Os metroviários estavam aqui hoje. Vamos fazer uma greve geral dos precarizados, tá errado isso aí."

Sobre a carteira de trabalho, Galo recupera ao menos uns 100 anos de luta da classe trabalhadora para conquistar direitos trabalhistas: "Fiz uma fala hoje em frente ao TRT sobre a carteira de trabalho: a carteira de trabalho é um conjunto de lutas que a gente não pode jogar no lixo, as pessoas morreram para conquistar os direitos que ela representa." E complementa, estabelecendo o diálogo que ele sonha diariamente: "Olha o companheiro Tadeu aí falando que os petroleiros fizeram a greve e já estão sendo perseguidos. Nenhum de nossos direitos foi o patrão que deu pra gente, a liberdade não foi os ricos que deram pra gente, salário mínimo não foram os caras que deram pra gente, nada, nada, nada! Tudo que temos, nós conquistamos, nós arrancamos com luta.Tudo que a gente tem foi a gente que conquistou. Essa carteira de trabalho é nossa. Eu queria estar lutando para melhorar a CLT, mas chegamos num ponto que temos de lutar pra recuperar a CLT destruída pelo capital, assim como a democracia. Mas não dá para esperar o Brasil ideal para lutar, é o que tem pra hoje. Temos de lutar neste Brasil que temos."

Há muito mais destaques para fazer sobre a live de ontem, mas já fiz muito spoiler, tenha o prazer de assistir a este diálogo entre lideranças da classe trabalhadora organizada e aquela que está se organizando, é uma injeção de ânimo como comentou uma internauta no chat da Fórum.

Os capitalistas que se cuidem, trabalhadores inteligentes e organizados são um perigo, como diria Galo.

https://www.youtube.com/watch?v=R-by0hNXSv8