"apenas que… busquem conhecimento" etê bilu.
esfregando-se, manhosamente, nas ásperas folhas de uma sucupira branca, o sol se ergue no horizonte.
sob a caule de um jequitibá, o galo empina a crista e cacareja um emplumado e ávico bom dia.
o gado, verdeamarelo e sem máscara, muge no curral; no quintal, as galinhas ciscam e beliscam, o porco chafurda, porcamente, e o pato põe a pata sobre a pata da pata e saem a passear pelo pátio com os patinhos.
olavo, o burro, cego de um olho como um pirata, sacode as orelhas, chicoteia-se com o rabo e relincha uma equídea e ininteligível saudação à aurora, como um legítimo fiofólogo que é.
as flores, mijadas de orvalho, recebem os primeiros ósculos de um pica-flor.
a manhã sendo.
confinado na roça, mestre cafuna, magro como um faquir e metido numa alvíssima túnica de finos fios peruanos, levanta-se do catre de pregos pontiagudos no qual dormia e alonga-se gostosa e preguiçosamente, qual um gato velho.
adepto da urinoterapia, o mestre mija numa caneca de bambu e, ainda em jejum, devolve, com uma única golada, o líquido quente que o corpo teimava em expelir.
enquanto passa os olhos nos jornais, lendo as notícias frescas do dia, chega-lhe uma inusitada mensagem pelo zap.
os marinho, os poderosos irmãos donos da globo, parecem fingir arrependimento e querem uma consulta com o mestre dos mestres, na tenda da cafunagem.
os marinho avisam que pretendem reconhecer seus erros, pedir perdão e receber o castigo que lhes é devido.
“o castigo hão de receber”, pensou cafuna, “desse fatalismo ninguém escapa.”
porém, mestre cafuna não nasceu ontem, não foi à toa que ele subiu e desceu o himalaia sete vezes seguidas, com um fardo de feno nas costas e lambeu os seis sovacos de shiva sob forte chuva.
o velho sentiu o cheiro de fuleiragem na insincera sinceridade daqueles mentirosos.
“queremos paz. leu o artigo do ascânio?”, disse um dos marinho em áudio.
“sim”, respondeu cafuna, “vejo que vocês não tiveram, sequer, a dignidade de assinar as escusas na forma formal de um editorial, preferiram, como sempre, fulanizar a mensagem, escondendo-se atrás da pena de um dos seus bonecos de ventríloquo; vocês são uns covardes”.
“não importa quem assina ou quem escreve, o que importa é a mensagem”, audificou joão roberto, o monoglota.
o criador do cafunismo, leitor de dominique maingueneau, devolve esclarecendo que a ordem do discurso é uma equação que soma enunciação, enunciador e enunciado: “o lugar de fala da pessoa que fala fala muito sobre o que ela fala; se vocês botaram ascânio pra falar por vocês é porque faltou sinceridade no que pretendiam falar. ouvimos o latido do cão e, não, a voz do dono.”
curioso, primeiro veio um colunista da folha tentando enterrar o garoto propaganda da cloroquina, desejando-lhe a morte; agora, vem ascânio, o filho de enéias, a desenterrar a estrela vermelha que eles empurraram pra debaixo de um tapete, silenciando-a.
“viemos em pás”, disseram os coveiros.
cafuna explicou aos irmãos bilionários que, devido ao coronga, a tenda encontra-se fechada, mas que, seguindo a lógica das igrejas eletrônicas, abriria uma exceção para uma inédita sessão virtual de cafunismo.
é curioso, faço uma observação aqui, que estes sujeitos que ganham a vida expondo a vida alheia, nunca estão expostos.
o que se tem deles é três ou quatro fotografias, numa sala de casa, sorrindo não se sabe de quem ou pra quem.
os barões donos da mídia não aparecem na mídia, porque sabem que essa droga vicia, rouba o caráter e a alma das pessoas e pode provocar angústia, ansiedade, medo, falsa sensação de poder e efêmero sentimento de importância.
compreensível: os donos da souza cruz não fumam, o dono da churrascaria é vegano, o traficante não cheira, as putas não gozam, e quem faz propaganda de cloroquina não é louco de tomá-la.
cafuna combinou o que cada marinho deveria fazer antes de começarem o meeting pela plataforma de laives.
cada um comprou uma daquelas “mãos” de arame, com centenas de tentáculos, usadas para fazer auto cafuné, e cada qual tinha uma sandália havaiana sobre a mesa.
cafuna murmurou um mantra monótono por vinte e cinco minutos, enquanto todos se cafunavam.
em seguida, as escusas: “venerando mestre cafuna, deus é contigo”, disse um dos marinho, “chegamos à conclusão de que é chegada a hora de perdoar o petê”.
“concluímos, também”, disse outro marinho, “que não faz mais sentido alimentarmos ódio ao partido que pretendíamos partir ao meio, mas que, teimosamente, parece ter emendado os cacos”; disse isso e calou-se.
“queremos”, arrematou o terceiro da trindade, “que homens e mulheres de esquerda voltem a participar das discussões sobre o futuro do país”.
assim como o tucano huck anda a apagar as fotos que fez com os malfeitores de direita, sempre que um é pego com a boca na botija, os marinho querem apagar o rastro de podridão que deixaram ao silenciar - segundo eles mesmo admitem - um terço do eleitorado, emudecer um líder, caçar a voz de um partido, ajudar a derrubar uma presidenta e fazer vistas grossas às grosserias do capetão que ajudaram a eleger e que agora quer destruí-los.
a globo tá cagando de medo de um possível segundo mandato dos terraplanistas que, uma vez no poder, lhes viraram as costas, lhes cortaram verbas e os chamam de lixo.
os marinho sabem que huck não decola, que moro é frágil como um vaso de porcelana, que ciro se tornou uma jocosa personagem do folclore político e que não há mais ninguém capaz de derrotar esses malucos que estão no poder senão o petismo.
por isso a trégua contida, fingida e cheia de interesses.
a globo sente a água bater na buda e tenta agarrar-se nessa tábua desgarrada.
a globo já abraçou e abandonou o collor, o maluf, o cunha, o cabral, o bozo… a globo não tem compromisso nenhum com candidatos, com partidos ou com a democracia; esses sujeitos só pensam nos próprios negócios.
cafuna, de saco cheio daquela conversa fiada, encerrou assim a reunião: “não há perdão, que isso aqui não é igreja, a remissão dos seus pecados deve vir seguida de dor e sofrimento, como disse o ministro da educação; portanto, peguem cada um as suas chinelas e apliquem vinte lapadas nas próprias nádegas”.
nesse momento, surgiram três colunistas do jornal com as calças arriadas, e cada um dos marinho lapearam as carnes brancas e flácidas de seus subordinados.
como sempre, fulanizando as responsabilidades.
palavra da salvação.