O evento era em homenagem à memória do jornalista Vladimir Herzog. O maestro João Carlos Martins ia reger a Bachiana Filarmônica SESI-SP, na Sala São Paulo completamente lotada. Alguns convidados iriam fazer um breve discurso e, a partir de então, seguiria o programa com Mendelssohn, Liszt, Beethoven, Astor Piazolla, John Williams e... Adoniran Barbosa.
Um político paulistano, conhecido pela sua arrogância, que já estava sem mandato (e nunca mais conseguiu outro), entrou pelas laterais do palco e avisou o maestro que iria discursar. João Carlos Martins prontamente respondeu: “não vai”. A discussão ficou acirrada entre os dois e o político insistiu que ia falar. O maestro então foi fulminante: “Se você entrar no palco por um lado, eu saio com a orquestra por outro e o evento fica cancelado”.
O concerto foi triunfal. O tal político se contentou em assistir um trecho da plateia para, logo depois, desaparecer no meio da multidão que o ignorava ou mal o reconhecia.
Pois é com esta coragem, sem papas na língua e um talento raríssimo, tanto quanto pianista quanto como maestro, entusiasta e divulgador da música erudita, que o maestro João Carlos Martins chega aos 80 anos.
Para os muitos jovens que acompanham sua trajetória, Martins é o artista que fez milagres com orquestras juvenis compostas por músicos de regiões carentes. O maestro, no entanto, carrega o título de ser um dos maiores intérpretes do planeta do compositor alemão Johann Sebastian Bach (1685 – 1750).
Em um país que sempre deu patavinas à música de concerto, Martins é dos poucos do mundo que conseguiu a proeza de reunir toda a obra para teclado do compositor, em 22 primorosos álbuns.
Enquanto pôde, tocou também vários outros compositores, como Beethoven e Mozart, até sofrer uma sucessão de acidentes que o afastaram por 21 anos do piano. Com esforço hercúleo, operações seguidas, conseguiu voltar a gravar, apenas com uma das mãos, a esquerda.
Toda a saga da vida do maestro é contada de maneira emocionante no filme “João, o Maestro”, de 1017, dirigido por Mauro Lima, com o ator Alexandre Nero no papel principal. O filme conta ainda com o trunfo de ter o próprio João Carlos Martins na trilha sonora.
João Carlos Martins, como grande festeiro que é, vai comemorar os seus 80 anos com uma live, onde volta ao velho Bach, ao lado de músicos da Orquestra Bachiana Filarmônica do Sesi-SP e de alguns solistas vocais. O evento será na quinta-feira (25), o dia exato em que completa aniversário, a partir das 20h, direto do canal do Teatro Bradesco.
Trata-se, sem dúvida alguma, de um marco na história da música e da cultura brasileira. Poucos artistas e, arrisco, poucos brasileiros conseguiram a dimensão tamanha que o maestro João Carlos Martins alcançou. Um dos brasileiros mais importantes e talentosos de todos os tempos.