A pandemia causada pelo novo coronavírus impõe circunstâncias que agravam a crise sanitária como a reconfiguração das relações de trabalho e a negligência possibilitada pela Reforma Trabalhista em vigor desde 2017. Nos Correios, estatal que detém a maior estrutura de logística da América Latina, esta que poderia ser sua maior força para movimentar e entregar insumos básicos em um momento em que a maior parte da população precisa se manter em quarentena, ao contrário está expondo ainda mais trabalhadores e a população em geral.
Se primeiro a empresa concordou em afastar trabalhadores do grupo de risco e divulgou um plano de enfrentamento ao novo coronavírus que incluía fornecimento de proteção individual e reforço na higienização, após quase dois meses desde a publicação das medidas a situação é de desamparo total. Sem critérios estabelecidos sobre o que é de fato essencial e com pessoal reduzido devido aos afastamentos, a sobrecarga de trabalho não é nem de longe o pior. Realizada geralmente por empresas terceirizadas (e em condições precárias de trabalho), a limpeza nas unidades está longe de seguir as normas mais rigorosas estabelecidas pela Organização Mundial de Saúde. O mesmo ocorre com as medidas de distanciamento mínimo e a proteção dos trabalhadores. Muitos ainda não receberam álcool gel 70% ou máscaras e, como carteiros e atendentes lidam diretamente com as pessoas, além de sujeitos à contaminação se tornam também possíveis vetores da doença, colocando todos os usuários dos serviços de Correios em risco.
Além da precarização, os ataques ao plano de saúde da categoria nos últimos anos e que resultaram no pagamento de mensalidades abusivas não poupou os ecetistas da burocracia nem em tempos de pandemia. A Postal Saúde, operadora do plano, demora para liberar testes para a Covid-19, aprovando em muitos casos apenas quando o paciente já está internado. Entidades sindicais denunciam que a medida é para evitar o afastamento de trabalhadores de todo o setor, como também é recomendado por infectologistas e outras autoridades de saúde.
As negociações de um novo Acordo Coletivo para a categoria também não são promissoras. Marcadas por um dissídio que foi parar no STF, a intervenção dos ministros Luiz Fux e Dias Toffoli travaram, entre outras coisas, a discussão sobre a vigência da ação normativa, o que deve impactar diretamente qualquer embate no campo jurídico. Soma-se a isso a preocupação com os cortes nos salários, faltas injustificadas (uma vez que a ECT derrubou a liminar da Federação dos Trabalhadores dos Correios que impede a convocação de quem coabita com pessoas do grupo de risco), o medo de processos administrativos e a consequente demissão, que força os trabalhadores dos Correios à difícil escolha de colocar em risco a própria vida e a de seus familiares.
Cobiçada pelos tubarões do setor logístico e desprezada pelo Governo que insiste na necessidade de privatização, os Correios deveriam ser parceiros fundamentais do Estado brasileiro, uma vez que estão em todos os mais de 5 mil municípios do país e desempenham importante papel social. Poderiam entregar os cartões de débito para saque do auxílio emergencial como proposto pelo deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), o que evitaria as enormes filas. Sem contrato de banco postal como quando atuava como correspondente do Banco do Brasil até o fim de 2019, a empresa também poderia ser uma rede de apoio para o pagamento neste momento. Além disso, poderia ser usada para ações de entrega de alimentos, remédios e materiais de limpeza e higiene. Compreender as possibilidades, no entanto, expõe ao mesmo tempo dois grandes desafios que se colocam para todo o conjunto da classe trabalhadora brasileira: o interesse privatista na venda de direitos e bens públicos e o cinismo daqueles que ainda colocam o lucro acima da vida.
*Luara Ramos é militante sindical e assessora do Sindicato dos Trabalhadores dos Correios do Espírito Santo (SINTECT-ES)