Hobsbawm e as cinco ondas revolucionárias do século XX

Valerio Arcary: “Pode-se, com certeza, discutir as datações que foram sugeridas por Hobsbawm. Mas não há como negar a dinâmica. Não está sendo diferente no século XXI”

Eric Hobsbawm - Foto: Divulgação
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Revoluções continuarão ocorrendo? As quatro grandes ondas do século, 1917-20, 1944-62, 1974-8 e 1989-, poderão ser seguidas de outras ­de colapso e derrubada? Ninguém que olhe em retrospecto um século em que não mais que um punhado de Estados hoje existentes passou a existir, ou sobreviveu, sem passar por revolução, contra-revolução armada, golpes mi­litares ou conflito civil armado apostaria(...) no triunfo universal da mudança pacífica e constitucional, como previsto em 1989 por alguns eu­fóricos crentes na democracia liberal. O mundo que entra no terceiro milênio não é um mundo de Estados ou sociedades estáveis”. (1) (grifo nosso).

Eric Hobsbawm

A perspectiva histórica ajuda a manter a lucidez. Não se ensina nas escolas, mas as ondas de ascenso revolucionário, relativamente sincronizadas, destacadas por Hobsbawm são a mais importante chave de compreensão do século XX.

As revoluções se inspiraram umas nas outras, e despertaram a contrarrevolução. A utilização do conceito de fluxos e refluxos para descrever as alternâncias em um período de maior intensidade de conflitos na luta de classes remete à ideia de um processo que tem raízes nacionais, mas se decide na arena internacional.

Pode-se, com certeza, discutir as datações que foram sugeridas por Hobsbawm. Mas não há como negar a dinâmica. Não está sendo diferente no século XXI. Ele começou com uma onda revolucionária na América do Sul, com a derrubada do governo De la Rua na Argentina, passou pelo Equador, Venezuela e Bolívia, e abriu o caminho para as cleições de Lula, Chávez  e Evo Morales, entre outros.  

O critério geral é que uma onda se abre em função de um grande triunfo revolucionário, de repercussões mundiais, e se fecha com uma derrota, também de conseqüências incontornáveis, uma derrota histórica. Nesse sentido, a periodização das ondas acompanha as mudanças das etapas na situação mundial. Duas das quatro ondas, a primeira e a segunda, foram uma conseqüência, mais ou menos direta das duas grandes guerras mundiais que sangraram o século XX.

Mas, não se deveria concluir, apressadamente, que são somente as guerras que precipitam as revoluções, em uma relação direta de causa e efeito. Só as guerras não podem explicar um ascenso em forma de ondas internacionais.

Revelou-se, também, necessária uma vitória político-militar que pudesse abrir o caminho, demonstrando que seria possível vencer. A primeira onda só se esgota em 1923, porque o processo alemão, apesar das derrotas políticas do início de 1919 e de 1921, se manteve até 23, quando ocorre uma mudança importante da relações de forças (derrota na Alemanha e na Itália).

A segunda onda, que se inicia em 1944, depois da inversão das relações de forças militares na guerra contra o eixo (derrota nazista em Stalingrado e em El Alamein, e derrota japoneza em Midway, no Pacífico), se estende, somente, até 1949, com a vitória da revolução chinesa. Isso porque no centro da revolução mundial estava a Europa do Mediterrâneo. A consolidação dos regimes de unidade nacional na França e Itália, uma derrota histórica, fechou o processo.

Abre-se, então, uma nova etapa internacional, que será definida pelo acordo de Yalta e Potsdam, que estabeleceu as bases de uma ordem político-militar interestatal que se manterá, para o essencial, inalterada durante todo o período da “guerra fria”.

Nesse intervalo, que corresponde ao período do boom de pós guerra, nos países centrais, ocorrem três processos revolucionários muito importantes, vitoriosos em diferentes medidas, Vietnam, Argélia e Cuba, e outros, nos países dependentes e nas ex-colônias, em maior ou menor medida derrotados (Bolívia em 1952, Indonésia 1965 etc...), mas insuficientes para alterar uma relação de forças mundial, e parece, portanto, um pouco forçado, considerar a permanência da mesma onda ininterrupta, até 1962.

Na verdade, o processo de descolonização da Ásia e da África foi impulsionado pelos EUA, nesse intervalo, e a maioria dos ex-Impérios, em particular o Francês e o Inglês, realizaram uma descolonização, sem que se abrissem crises revolucionárias. As antigas colônias se transformaram em países semicoloniais, com regimes e governos completamente subservientes às suas ex-metrópoles, com as classes proprietárias nacionais em formação, integradas como sócias menores dos imperialismos, no saqueio das riquezas nacionais. As descolonizações negociadas e limitadas foram a regra e as revoluçòes a excepção.

Por isso, ao contrário de Hobsbawm, considero mais apropriado que a segunda onda se encerrou em 1948/49, com a derrota na Europa.

A terceira onda, por sua vez, se inicia mais cedo, indubitavelmente, em 1968, com o Maio francês, desprezado, um pouco inexplicavelmente, por Hobsbawm. Atinge vários continentes como uma onda internacional poderosíssima: em África, tem no seu epicentro a guerra de libertação nas ex-colônias portuguesas, que irão abrir uma revolução na metrópole, mas se extende para a Ásia (Vietnam, em 1975, Cambodja e Laos, na seqüência) e América Latina, e atinge primeiro o México e o Brasil, onde as rebeliões estudantis são derrotada, mas se radicaliza na revolução chilena.

Mantém-se aberta durante todos os agitados anos 1970: perspectiva de um governo PS/PC na França, vitória do Labour na Inglaterra, no calor de uma onda grevista única no pós-guerra, imensa instabilidade na Itália (que se expressou na votação de mais de 30% no PCI), com um impressionante ascenso sindical, que só será derrotado, porque uma boa parte da vanguarda pós-68, se desloca para a luta armada, o que precipita uma mudança do regime e uma situação de estado de sítio crônica por uns dois ou três anos, crise revolucionária na Espanha na sucessão pós-franquista etc...

Esta onda culmina com as vitórias das revoluções nicaraguense e iraniana, mas se fecha, depois de uma série de derrotas, em um processo acumulativo: estabilização democrática em Portugal (1976/78), Espanha e Grécia, guerra civil crônica financiada pelos EUA na America Central (a sangria espantosa em El Salvador, os contras na Nicarágua), guerras nacionais impulsionadas e financiadas pelos EUA (massacres palestinos de Sabra e Chatila em Beirute, invasão do Irã pelo Iraque).

A onda se encerra com uma contra-ofensiva em toda a linha, militar, política, econômica e ideológica, liderada por Thatcher e Reagan, que ficou conhecida pelo revivalismo do programa liberal.

Quanto à última onda, uma vaga de revoluções democráticas no Leste Europeu de 1989, com epicentro na Tchecolosváquia, Alemanha Oriental e Romênia atingiu, quase exclusivamente, os países que giravam em torno da ex-URSS. A decadência econômica das economias pós-capitalistas, que vinham desde o final dos anos 1960 “andando de lado”, se acentuou de forma dramática nos anos 1980, como consequência de uma complexa combinação de fatores: (a) a hegemonia econômica do complexo militar industrial; (b) a dependência cada vez maior em relação a um mercado mundial em depressão; (c) a maturidade de uma nova geração que não tinha vivido nem o horror da guerra, nem os anos da repressão estalinista; (d) por último, mas não menos importante, a resistência dos trabalhadores aos planos restauracionistas, liderados pela perestroica de Gorbatchev, que exigiam uma destruição das conquistas econômico-sociais da etapa histórica anterior.

Já podemos hoje ser categóricos e concluir que ela se fechou, logo depois de 1991, com a mais dramática derrota histórica da causa socialista.

(1)HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX – 1914-1991. Trad. Marcos Santarrita. São Paulo, Companhia das Letras. p. 445-6.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum