Os abolicionistas eram chamados de comunistas

Leia na coluna de Raphael Fagundes: "Desde muito, ser chamado de comunista é um xingamento proferido por conservadores e reacionários, de um modo geral, contra àqueles que clamam por justiça social"

Luiz Gama, José do Patrocínio e André Rebouças são exemplos de três grandes abolicionistas negros brasileiros (Reprodução)
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É comum que as pessoas que lutam por causas justas sejam chamadas de comunistas ou anarquistas. Esta alcunha também acometeu aqueles que lutaram pelo fim da escravidão, isto é, os abolicionistas.

Como mostrou a historiadora Maria Helena Pereira Toledo Machado, no correr dos anos, “figuras como Dantas, Nabuco e Rebouças e muitos outros notáveis passaram a ser acusadas, pelos escravocratas e conservadores [...], de anarquistas, e mesmo de comunistas". Mas na verdade havia apenas uma simpatia de alguns deles com o socialismo e o anarquismo, como era o caso do próprio Rebouças que a historiadora destacou ter uma “filiação abstrata a um certo socialismo utópico”.[1]

De acordo com Renato Lemos, “embora ainda não existisse no país uma classe operária, o espectro do comunismo – alimentado pela luta de classes nos países de capitalismo avançado – já assombrava as classes dominantes". O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro destaca outra luta por causa justa, a qual o positivista Benjamin Constant foi associado ao comunismo. “Em 1871, por exemplo, um deputado geral baiano conseguiu ver a marca do comunismo no relatório anual do diretor do Imperial Instituto dos Meninos Cegos, o notório positivista Benjamin Constant Botelho de Magalhães. A defesa do direito dos cegos à educação completa foi entendida como manifestação das doutrinas da Comuna de Paris".[2]

O célebre abolicionista José do Patrocínio escrevia na coluna “Semana Política” do jornal Gazeta de Notícias com o pseudônimo Proudhomme. O historiador Humberto Fernandes Machado destaca: “A influência de Pierre-Joseph Proudhon em Patrocínio está presente no slogan usado no final de seus textos, semelhante ao popularizado pelo publicista francês: A escravidão é um roubo. Todo dono de escravo é um ladrão”.[3] Todos conhecemos a famosa frase de Proudhon, “A propriedade é um roubo”.

Embora estes abolicionistas defendessem a reforma agrária após a abolição da escravatura, nenhum deles era de fato socialista ou comunista. José do Patrocínio, por exemplo, após a abolição, passou a ser um defensor veemente da monarquia e da Princesa Isabel. Enchia esta de elogios. Chamava-a de “mulher sagrada e meiga, boa e santa”, além de destacar a “heroicidade da princesa".[4]

Patrocínio era acusado de ser um dos idealizadores da Guarda Negra, uma sociedade formada por negros e mulatos com o objetivo de proteger a Princesa Isabel e a monarquia, já que muitos republicanos se colocaram contra a abolição sem uma indenização.

Enfim, o fato é que todo aquele que defende causas justas são imediatamente chamados de comunistas. Vemos hoje claramente Bolsonaro e seus apoiadores chamarem de comunistas aqueles que lutam por uma maior distribuição de renda, por uma ampliação do acesso aos serviços públicos, pela igualdade racial, contra o sexismo etc..

Portanto, desde muito, ser chamado de comunista é um xingamento proferido por conservadores e reacionários, de um modo geral, contra àqueles que clamam por justiça social... Sendo assim, seria uma difamação ou um elogio ser chamado de comunista?


[1] MACHADO, M. H. P. T. “Teremos grandes desastres, se não houver providências enérgicas e imediatas: a rebeldia dos escravos e a abolição da escravidão”. GRINBERG, K. e SALLES, R. (Orgs.). O Brasil imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p. 374.

[2] LEMOS, R. A alternativa republicana e o fim da monarquia. GRINBERG, K. e SALLES, R. O Brasil imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p. 404.

[3] MACHADO, H. F. Encontro e desencontros em José do Patrocínio: a luta contra a indenização aos “Republicanos de 14 de maio". RIBEIRO, G e FERREIRA, T. (Orgs.) Linguagens e práticas da cidadania no século XIX. São Paulo: Alameda, 2010, p. 298

[4] Id., p. 307.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum

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