Os Rolling Stones têm o estranho poder de fazer algo muito semelhante durante 50 anos e, mesmo assim, parecer sempre novo e jovem, apesar da longevidade dos seus integrantes. E desta vez não é diferente. Muda apenas o tema. “Living In a Ghost Town”, lançada esta semana pelas redes, apesar de ter sido composta há um ano, foi transformada e tem como tema a quarentena pelo coronavírus.
A canção é puro Stones, sem tirar nem pôr. Aguardando as devidas diferenças das tecnologias de áudio, a canção poderia estar em qualquer um dos álbuns da banda. Estão lá as guitarras de Keith Richards e Ron Wood, a bateria com o acento trocado de Charlie Watts e, é claro, a voz inconfundível e poderosa de Mick Jagger.
A batida de rock característica dos Stones, onde todos os gêneros se adaptam ao formato do blues, formam uma força inexplicável que, entra ano, sai ano, permanece intocável. A banda não tem medo de encarar o simples e passear por coisas aparentemente óbvias como quem repete: “nós que inventamos esse negócio, portanto, calem-se e ouçam”.
Tentar explicar a beleza e a força de tudo o que se passa na canção é impossível e desnecessário. Principalmente em um momento desses, onde os próprios Stones, como bem lembrou Paula Lavigne em uma live, são “um grupo de risco”, sob o riso solto do marido Caetano Veloso, ele também, um sujeito de risco.
Os vetustos senhores londrinos mais uma vez desafiam o tempo e o espaço para virarem personagens de si próprios em outro tempo. Longe de serem os velhinhos que estão pra lá dos 70, se travestem de garotões descolados que procuram por uma cidade cintilante repleta de diversão e barulho, mas que permanece calada.
A cidade fantasma (Living In a Ghost Town) citada na letra é Londres, mas poderia ser qualquer outra grande capital do mundo que está sob a quarentena do coronavírus. Jagger diz que é um fantasma vivendo em uma cidade fantasma. “A vida era tão bonita, então todos fomos trancados”, afirma para, daí em diante, lembrar da balbúrdia da capital inglesa de outros tempos, onde “tudo estava zumbindo; E o ar estava cheio de tambores; O som dos pratos batendo; Os copos se quebrando; Trompetes estavam todos gritando; Saxofones estavam tocando; Ninguém estava se importando se era dia ou noite”.
A nostalgia das noitadas vira um chamamento romântico: “Toda noite eu sonho que você virá rastejar na minha cama”. Logo a seguir, no entanto, a canção de Jagger e Richard chama a atenção também para as mazelas da pré-epidemia: “Os pastores estavam todos pregando; Instituições de caridade; Políticos negociando; Ladrões estavam felizes roubando; As viúvas choravam; Não há camas para dormirmos; Sempre tive a sensação de que tudo vai desmoronar”.
É isso, e basta, como diz a canção de outros tempos. Puro rock and roll feito por meninos de mais de 70 anos que, apesar do silêncio no mundo, se mantém tão ou mais incendiários e divertidos quanto antes.