Mais de um mês de isolamento social. Crianças continuam sem aulas e sem férias e a maioria sem shows, bares, cinemas e restaurantes. E os que sobreviviam com sobras e doações estão recebendo cada vez menos doações e sobras. E nós, o que podemos fazer? Nós, os ainda privilegiados, podemos ficar em casa e esperar que o colapso passe, que tenham vacinas para a Covid-19, remédios eficazes e que os sistemas de saúde estejam mais preparados.
Podemos fazer coisas que não fazíamos antes, coisas simples que não tínhamos “tempo” de fazer. Podemos aprender algo novo. Temos internet, Google e muitos tutoriais. Podemos fazer trabalhos manuais, aprender a cozinhar ou aperfeiçoar os temperos. Ver filmes e séries que estavam na lista, fazer muitas reuniões online, chamadas de vídeos para amigos distantes ou não tão distantes, mas que não podemos ver como víamos antes. Não adianta ser o mais forte ou inteligente agora, porque os mais adaptáveis são os que sobrevivem, com a mente sã, em pós-catástrofes.
Vi lives – ah o maravilhoso mundo das lives - com Monica de Bolle (doutora em Crises Financeiras, professora da Johns Hopkins University, pesquisadora-Sênior do Peterson Institute for International Economics) e Átila Iamarino (biólogo, Doutor em Microbiologia pela USP, com Pós-Doutorado pela USP e pela Yale University - EUA) e ambos concordam que “não existe mais a realidade que vivíamos em janeiro de 2020. O mundo globalizado nunca enfrentou um desafio como o Covid-19. Será necessária uma mudança de mentalidade muito forte. Um novo normal deverá ser inventado, pois não há referências ou precedentes para guiar por um caminho ideal. Está havendo esforço global para criar possibilidades e metodologias para a nova sociedade que deverá nascer”.
Percebo uma polarização ainda maior, muito ódio e ignorância, porém com mais pessoas conscientes, ainda perdidas com a mudança mundial e medo do futuro, mas conscientes de que devem ficar em casa e serem mais solidárias. Penso nas crianças e adolescentes que estavam iniciando um ano cheio de planos e tarefas e, de repente, tudo para ou muda. Minha filha de 11 anos já chorou pedindo para eu me colocar no lugar dela, com essa idade, em isolamento. Tentei. Eu estaria em 1981, sem internet, Netflix ou computadores. Teria um telefone fixo, de sistema de telefonia que cobrava uma fortuna por chamadas locais. Ficaria lendo muitos livros e escrevendo poesias, meus braços e pernas tremeriam de vontade de nadar (eu treinava todos os dias). Ah, e eu ouviria todas as histórias do meu pai. Mesmo as repetidas. E comeria todas as tortas de banana da minha mãe. E escreveria cartas para todos os amigos que já tinha feito nas competições. E não teria tantas informações. E sentiria falta do sol e da praia.
Mas tudo isso é tão hipotético.
Há alguns verões eu estava recolhendo plástico nas areias da praia da Enseada, no Guarujá (litoral de São Paulo), com minha filha mais velha. Disse a ela que há tempo, não muito distante, eu via tartarugas desovando nessa mesma praia. Que era uma pena que ela não conheceria os oceanos como eu conheci, que o ar já não era tão puro como o que eu já respirei. E agora eu vejo que ela poderá conhecer isso, sim. Nessa semana apareceram tartarugas até na Baía da Guanabara!
Entrevistei na última quinta-feira a psicóloga Carol Romano, numa live para o coletivo Vote Nelas. O Brasil é o país do mundo com maior número de pessoas ansiosas e o quinto com número de depressivos. Nós, brasileiros, há alguns anos, desde 2014 mais precisamente, nos acostumamos a viver numa gangorra política. E ter um “líder” que troca o ministro da Saúde em plena pandemia mundial é um fator que gera ainda mais ansiedade (ao menos em mim). O que aprendi no papo com a Carol Romano é que devemos fazer o que está ao nosso alcance, uma coisa de cada vez, para lidar com o tamanho dessa ansiedade. Sei, caros leitores, que é uma tarefa difícil até para os super-heróis (que tanto tem alegrado meus dias) controlar a ansiedade no meio de uma pandemia. Temos que vencer os obstáculos criados por nossas mentes, enfrentar a Covid-19 com um presidente genocida. Não, não está fácil para quase ninguém, mas para os brasileiros conscientes está mais difícil. Temos no poder um homem que adora tortura (nunca escondeu isso) e está torturando milhões de pessoas, diariamente, em cada fala desastrosa e homicida.
Somos infectologistas, bioquímicos ou algum profissional que pode descobrir a vacina, a cura ou o tratamento do Covid-19? Se a resposta é não, deixemos para quem sabe. Sofremos com o sofrimento das pessoas que estão nas ruas? Não é possível ajudar todas, mas o que podemos fazer para ajudar ao menos uma pessoa? Existem várias ideias de ações positivas e simples, como sair com duas garrafas de plástico, uma maior, cheia de água da torneira e outra menor, com sabão em pó misturado à água e entregar para uma pessoa em situação de rua. Podemos separar as roupas que não usamos e doar. Devemos aprender a nos relacionar de uma forma cada vez mais digital. E viver um dia de cada vez. E, na medida do possível, fazer o que nos faça feliz.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum