O sol saiu esmerado por entre as nuvens. Por mais que se esforçasse não estava munido de força o suficiente para escapar. Francisco se sentia como o Sol. Contudo, sabia que naquele momento ficar oculto era a melhor solução.
O cientista, que se tornou um revolucionário, estava separando um material para entregar aos guerrilheiros especializados na propaganda revolucionária. Mas as últimas notícias poderiam prejudicar os planos dos Sicários Vermelhos.
Uma epidemia estava dizimando parte da classe média e alta. Ela foi trazida por viajantes que passaram férias na Europa e, embora Francisco tenha passado um bom tempo no Velho Continente para a realização de sua pesquisa, ele não havia sido contaminado.
O governo aproveitou a situação para anunciar que tal desgraça era decorrente da ira de Deus, que castigava todos os brasileiros, porque dentre um deles havia um que ousou desmoralizar sua história. Era uma punição por criarmos dúvidas sobre o milagre do nascimento de Cristo.
Mesmo não sendo recomendado aglomerações, de acordo com o Órgão Mundial de Saúde, o presidente convocou as pessoas para ir às ruas pedir a Deus que nos perdoasse. Além disso, pediu que as igrejas mantivessem suas portas abertas, embora mandasse fechar as universidades, escolas e até mesmo (pasmem) hospitais.
O mundo da Peste Negra foi recriado em apenas algumas horas. Um jornalista, que mostrava inclinações pela esquerda, embora muito religioso, foi preso ao dizer que a água podre das torneiras, as enchentes e agora aquela epidemia eram um castigo de Deus, porque os políticos estavam usando o nome dele de forma falsa e para atender seus interesses particulares.
O fuzilamento do jornalista estava marcado para as 18 horas, na praça central da cidade. Enquanto isso, Francisco e os outros guerrilheiros estavam preocupados com o plano. Faziam alterações bruscas na eloquência da propaganda, intercalando aspectos religiosos e científicos, apoiando-se inclusive nos sermões de pastores luteranos e anglicanos descendentes do antigo protestantismo de imigração.
- Professor? – Susana chamou Francisco para conversar sobre o plano. – O senhor conhece o professor Milton Schwantes?
- Não, não conheço.
- Ele foi um autor extremamente carismático que se valia de uma exegese sociológica para interpretar a Bíblia. Tinha um grande compromisso político-teológico em prol da libertação e transformação social.
- Imagino que vocês vão usar os métodos desse teólogo para divulgar a minha pesquisa? – indagou Francisco com a perspicácia habitual de um cientista.
- Exatamente. A Bíblia é a Palavra de Deus, não temos dúvidas quanto a isso, mas isto não anula a sua condição humana e histórica, de modo que ela pode e deve ser estudada como qualquer outra obra intelectual humana.
- Sim, eu entendo. – disse Francisco – é o método hermenêutico chamado histórico-crítico, correto?
- Bem, estamos lidando com um especialista na área, era óbvio que saberia do que eu estava falando.
- Mas – Francisco adotou um tom mais ríspido – vocês sabem que eu sou ateu, não sabem?
- Sim, nós sabemos. Mas essa é uma opção sua. Nossa missão é libertar o povo das interpretações interesseiras da Bíblia, abrir os olhos da população para a interpretação livre da Bíblia, mas que não atenda aos interesses de ninguém a não ser para contribuir para as metodologias científicas desenvolvidas para interpretá-la. Deus deu aos seres humanos o conhecimento científico para compreender a sua obra. Isso inclui também suas palavras, correto?
- É um ponto de vista interessante devo admitir.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum