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OPINIÃO
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Este colunista já tratou quase uma dezena de vezes do horror linguístico do bolsonarismo e seu governo. Tardiamente, aqui e acolá surgem comentários que aludem ao baixo calão do universo de fala do senhor Jair Messias, seus ministros, seus subordinados e parte influente de seus eleitores.
Na Folha de São Paulo de 3 de fevereiro, Vinicius Mota discute o que denominou baixo nível, feito de ofensas, discriminações e preconceitos já disseminados quer no interior do governo, quer no “outro polo”. O colunista demora muito a chegar ao tema da linguagem, o que leva seu texto a não passar de hipótese, posta, para piorar, no final do discurso. Para ele, o que se quer, especialmente de parte do polo no poder, é que haja insulto para todo lado. Cabe lembrar que o guru que vive nos Estados Unidos já enunciou tal estratégia em algumas entrevistas.
O texto sugere, visto que não demonstra, vários problemas. Se há um outro polo de ofensas e preconceitos, deixa de ser outro e passa a ser o mesmo, ainda que sem poder de governo. Ora, enunciações linguísticas traduzíveis no mesmo repertório são homólogas e estão no mesmo lugar de discurso. Aí está o risco do xingamento geral, do churrasquinho em família às entrevistas do presidente e postagens de seus filhos, também jamais educados.
No entanto, a existência de outro polo do Brasil pode ser representado pelas instituições educacionais, políticas, sindicais, ambientais etc. Aí a linguagem é outra, como se vê e se lê nos debates, fóruns, encontros, assembleias e pronunciamentos. Há um Brasil debochado, asqueroso, contumaz na mentira e cínico, e há outro, que puxa a linguagem para cima e busca encontrar um futuro pós Bolsonaro. De fato, já o constrói. Não se pode esperar que Bolsonaro acabe para começar a construir o futuro, visto que ele é o chefe do horror linguístico.
A imagem do leque roto deste governo nacional inclui o calão, o discurso tópico, muito pouco gramatical e rasgado de excrementos verbais. Mas a questão central é que essa linguagem não é artificial, presumida e buscada num repertório imaginado para enlamear a sociedade e prepará-la para uma espécie de sociedade ilegal, miliciana, sem caráter, do vale-tudo, o que também quer dizer autoritária.
Mais grave é que essa linguagem é constituinte da gente que detém o poder; noutras palavras, é essa linguagem que os formou, conformou, moldou e, agora no poder, não há outra a disseminar, pois não a conhecem. O limite de todos eles e elas do primeiro escalão é essa linguagem conhecida. Quem conhece outras linguagens é o “outro polo” aqui referido.
Bolsonaro é refém dos tópicos injustificáveis, que o associam a Trump e justificam o “I love you” para o governante poderoso e a xingação/xingamento da mãe dos transeuntes liberados e jornalistas questionadores.
Damares está presa à violação do sexo e não elabora uma única enunciação fora disso. Quando a OCDE chegar aqui, nos próximos meses a fim de verificar a situação dos direitos humanos, não ouvirá nada fora desse limite, exceção feita a alguns eufemismos e circunstanciais mentiras sobre o que faz seu ministério. No mais, tudo estará encoberto, exceto se os experts da organização dialogarem com o “outro polo”.
Salles é dominado pela retórica do não dito, visto que as últimas frases de suas intervenções caem sempre “nonada”.
Guedes é possuído por comutações de linguagem que levarão o país a um zero de dignidade política e a um monte de dinheiro sujo, que de nada servirá à cidadania empobrecida; de fato, já a está matando.
Terra é o mestre do non sense ou do fazer qualquer coisa, e o rapaz que não explicou 1% do uso dos “laranjas” em sua eleição e seu mandato é o típico apaniguado, silente, sempre agarrado ao poderoso.
E Weintraub. Ah, o Weintraub... esse vive o círculo linguístico da farsa, reunião de personagens da literatura nos quais ninguém acreditou ou botou fé. Produziu-se a imagem do descrédito e nada mais pode fazer para sair do cipoal de suas próprias falas.
Enfim, nenhum tem formação para dirigir um governo em país gigante, desigual e rico em diversidades para apreender, aprender e fazê-las fomento de fundamentais políticas públicas. De fato, não se vê uma política sequer neste governo e entre as nominadas nenhuma é pública, porque sua construção, implementação e avaliação tem história, teoria e ciência, fenômenos nem de longe considerados neste polo de governo.
Este colunista foi educado para o horror ao baixo calão, que é uma espécie de “posição miliciana” na linguagem, que explica a construção do pensamento e sua expressão. Sabedores do domínio evidente dessa milícia linguística, cabe-nos, como famílias, comunidades, associações, organizações e pessoas denunciar, não usar, afastar-se de quem usa e criar atitudes políticas que façam o país se reencontrar com linguagens que realmente comuniquem entre todos e todas e que busquem a verdade dos fatos e a clareza dos discursos.
Momento adequado para começar a virada será a eleição de vereadores e prefeitos.
Poderemos, sem muita dificuldade, localizar candidatos que se agarrarão a essas linguagens de baixo calão (nada a ver com a fala simples do homem e da mulher com pouco direito à escola) e, ao negar a todos eles e elas o direito ao poder municipal começaremos a recuperar um efetivo processo de comunicação e de construção linguística a favor da equidade, dos direitos e da justiça. Lembremo-nos que o baixo calão fecha bocas, quebra discursos e prepara terreno para a usurpação e a negação de direitos.
Cabe negar toda a denúncia sem razões e demonstrações, de que são exemplos o presidente e o ministro Salles; negar também o palavrão que nada diz de política e as obsessões do poder, as promessinhas, as trocas e as compras de voto pela linguagem da mentira. Isto é, aquilo que se vê e se lê no governo nacional, acrescido dos tradicionais absurdos da politiquice brasileira, que não têm por que não se repetir nas eleições deste ano. Afinal, nosso nível de linguagem piorou.
Não nos enganemos. A linguagem inteligente empodera a vida social. É de se crer, pois, que as linguagens do país gigante sejam o contrário do baixo calão que se agarrou no poder da República e ainda não parou de envergonhar o Brasil diante do mundo.