O Estado mínimo é mais utópico que o comunismo

Raphael Fagundes: “A mais-valia foi extinta em vários países socialistas, pois os ganhos sociais foram canalizados para os bens públicos”

Escrito em Opinião el
Doutor em História Política na UERJ. Professor da rede municipal do Rio de Janeiro e de Itaguaí.
O Estado mínimo é mais utópico que o comunismo
Paulo Guedes - Foto: Reprodução/SBT.

É comum os liberais acusarem o comunismo de algo que não deu certo. Os mais rudes dizem até mesmo que ele não dá certo de jeito nenhum. É impraticável.

Podemos dizer, por um lado, que o comunismo, na prática, ainda não se realizou. Mas algo de sua teoria se concretizou, como veremos adiante. O “socialismo real” foi prejudicado por uma guerra mundial, embora Stalin tenha conseguido vencê-la e promover uma tecnologia que levou o homem ao espaço poucos anos após sua morte.

Por outro lado, o liberalismo, essa ideia tão valorizada pela burguesia, nunca existiu na prática. O historiador Gregory Claeys lembra que “embora costumemos associar isso [a utopia] ao socialismo moderno, seria errado omitir o liberalismo dessa questão”. Por mais que se contrapõe ao socialismo, afirmando-se, inclusive, como sendo antiutópico, o sonho de um Estado mínimo nunca se realizou. O maior exemplo é a guerra comercial entre EUA e China. Não temos muito a criticar em relação à China, mas a maior potência capitalista deveria deixar o mercado se autorregular. Mas não é o caso.

Claeys enumera quatro pontos que revelam a face enganosa do discurso liberal: a) o liberalismo em si representava uma visão utópica da opulência universal; b) uma visão futura deficiente de um mundo melhor; c) a promessa de uma democracia idealizada, “baseada na soberania popular", contudo, “não conseguiu evitar o domínio dos poucos sobre os muitos"; d) a maximização da liberdade gerou o egoísmo e a avareza, “que muitas vezes denigre a ‘sociedade’, ou a existência de qualquer bem coletivo ou público”. (1).

O socialismo, de certo modo, alcançou muito mais de sua utopia que o liberalismo. A mais-valia foi extinta em vários países socialistas, pois os ganhos sociais foram canalizados para os bens públicos, caso contrário, a URSS jamais conseguiria chegar ao espaço.

Os dez pontos determinados por Marx e Engels no Manifesto Comunista foram cumpridos. (2). Da “expropriação da propriedade fundiária e emprego da renda da terra nas despesas do Estado” à “educação pública e gratuita para todas as crianças”. Por mais que houvesse uma liderança, uma burocracia soviética, a lógica econômica se baseava na distribuição da produção entre os trabalhadores, ou seja, não havia lucro, isto é, mais-valia.

A ideia de que o socialismo defende a utopia de que todos devem ser iguais é uma falácia. Marx criticava o “ascetismo universal e o igualitarismo tosco” dos primeiros movimentos operários. Stalin, por seu turno, dizia: “Por igualdade, o marxismo entende não já o nivelamento no campo das necessidades pessoais e das condições de vida, mas a destruição das classes”. (3).

É lógico que a prática é extremamente adversa da teoria, mas o socialismo realizou muito mais o que propõe sua teoria do que o liberalismo, transformando a relação capital/trabalho em uma nova relação social de produção, alterando o ciclo do investimento e do produto do trabalho.

O liberalismo apenas racionalizou as relações sociais de produção que vinham emergindo após os cercamentos ingleses. Essa racionalização permitiu a ascensão da burguesia, que colocou os seus interesses econômicos na frente da moral cristã. Desse modo, fez as revoluções que a colocou no poder.

A partir de então Estado e economia nunca se desvencilharam. Complementam-se no controle social para permitir a maximização dos lucros. A teoria do Estado mínimo nunca se realizou. Nem uma fagulha da chama fervorosa que agitou o século XIX chegou a esquentar o mundo real. Tudo não passa de uma utopia.

Lógico que não é uma imaginação, uma ilusão, mas um desejo de se criar algo inexistente. Contudo, esse desejo ficou apenas em âmbito utópico, irrealizável. Não é nada baseado em mito ou religião, nenhum Deus interfere em seu projeto. É algo criado pelos humanos para controlar o seu próprio destino. Mas que nunca vimos. Moisés, Cristo e Maomé são mais tangíveis do que o liberalismo. Governos se pautaram mais nas visões destes homens do que no que o liberalismo propõe.

Enfim, o liberalismo não é uma proposta tangível. O plano econômico de Paulo Guedes é de massacre à classe trabalhadora para o benefício da classe parasitária, a classe dominante. Até o “superministro” da economia precisou do Estado para fomentar o “pibinho” de 2019, liberando quinhentos reais para os trabalhadores poderem consumir. Sejamos francos, o liberalismo é mais utópico que o comunismo...

(1)CLAEYS, G. Utopia: a história de uma ideia. São Paulo: SESC, 2013, p. 10.

(2)Veja Marx e Engels. Manifesto do partido comunista: São Paulo: Martin Clarear, 2006, p. 66-67.

(3)LOSURDO, D. Stalin: história crítica de uma lenda negra. Rio de Janeiro: Renan, 2010, p. 59.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum

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