Enquanto os números das pesquisas revelam o melhor percentual de aprovação a Bolsonaro desde o início do mandato, eximindo-o de qualquer responsabilidade pelos mortos da Covid-19, além do aumento da resistência popular contra a vacina, jornalistas falam em “resilência do presidente ao bombardeio incessante da mídia”. Vamos combinar! Será que depois de todo esforço do consórcio Mídia-Mercado-STF como proxy na guerra híbrida, agora a grande mídia se voltaria contra sua própria criatura? Essa percepção incorre em dois erros metodológicos, típicas da incompreensão de fenômenos de comunicação: confundir o “jornalismo snapchat” da mídia corporativa (a ambiguidade das “passadas de pano” + psy-ops das profecias autorrealizadoras e psicologia reversa) com “bombardeio midiático”. E confundir “influência da mídia” com “influência social” que, em última instância, é o que sanciona os conteúdos propagados pelos meios de comunicação, seja de massa ou digitais.
Primeiro vamos aos números
A divulgação das informações das últimas pesquisas Datafolha revela que, apesar dos 7 milhões de casos da Covid, de uma economia em frangalhos chegando a 14 milhões de desempregados (fora os chamados “desalentados” e outros eufemismos midiáticos para diluir o impacto da crise) e negacionismos sanitários e ambientais, o presidente Bolsonaro segue firme e aparentemente blindado.
A aprovação do presidente se mantém em 37%, o melhor percentual de aprovação desde o início do mandato. Entre ótimo/bom/regular chega-se a 66%, enquanto ruim/péssimo alcança tão somente 32%.
Em relação à pandemia Covid-19, 52% dos brasileiros acreditam que Bolsonaro não deve ser responsabilizado pelas, até agora, 183 mil mortes.
E, de quebra, a pesquisa mostra o crescimento do número de pessoas resistentes à vacinação – 22% dos entrevistados disseram que não pretendem se vacinar. Em agosto, esse número era de tão somente 9%. Enquanto os que dizem sim à vacina caiu de 89% para 73%.
Diante desses números e da aparente blindagem de Bolsonaro (ele parece ser imune – desculpe o trocadilho! - a qualquer crise sanitária ou econômica), muitos falam em uma suposta “resiliência” do capitão da reserva, mesmo com o “bombardeio incessante contra Bolsonaro” feito pela grande mídia. Por exemplo, essa é a análise feita pelo jornalista Luís Nassif:
Mais que isso, baseado em casos concretos, na responsabilidade objetiva de Bolsonaro pelas mortes na Covid-19, no envolvimento de filhos com corrupção, no aparelhamento de todos os níveis do Estado, na minimização da tragédia nacional. Tudo a seco, sem a necessidade da enorme ginástica mental e jurídica utilizada para criminalizar as pedaladas de Dilma. E o nível de aprovação de Bolsonaro não cai – clique aqui.
Para Nassif, a “resiliência” de Bolsonaro é uma evidência do “fim do poder da mídia” – em particular, Globo, Folha e Estadão. O capítulo decisivo do fim da era em que os mercados de informação pautavam a sociedade através do efeito “pedra no lago” ao criar círculos concêntricos que se espalhavam pela opinião pública.
Esse ambiente de comunicação cartelizada criava uma narrativa, encampada pelos outras mídias que, através das agências de notícias, se embrenhavam pela imprensa regional até chegar aos grotões do Brasil. Mas tudo está sendo superado por “bolhas independentes em relação aos grupos de mídia – tecnologias de convergência fazendo o discurso chegar direto ao público através das mídias sociais.
Vamos combinar! Bolsonaro só chegou ao poder através do consórcio Mídia-Mercado-STF, em um movimento (Guerra Híbrida) iniciado em 2013 através da tática de Revolução Popular Híbrida – vulgo “primaveras” ou “revoluções coloridas”. Quando estouraram as “Jornadas de Junho” a grande mídia levou uma semana para entender o que estava acontecendo – de “ignorância misturada com rancor”, de repente a grande mídia comemorou como a “nova política” comandada pelos “novos caras pintadas nas ruas”.
Por exemplo, a Globo chegou a sacrificar seus medalhões do jornalismo ao ridículo como Miriam Leitão e Carlos Sardenberg no chamado “escândalo da Wikipédia” para atacar o governo Dilma – sobre isso, leia o trepidante livro do Cinegnose “Bombas Semióticas na Guerra Híbrida Brasileira (2013-2016: Por que aquilo deu nisso?” – clique aqui.
Temer e, mais tarde, Bolsonaro foram os cavalos de Tróia para implementar a agenda política (desmontar a representação sindical, criminalização de movimentos sociais etc.) e econômica neoliberal (desmonte do Estado, do soft power nacional, das garantias sociais, precarização do trabalho etc.). Sim! Cavalo de Troia, porque tal agenda nunca ganhou eleições e foi escondida debaixo do tapete da guerra cultural e de costumes - a guerra semiótica criptografada de Bolsonaro para distrair o respeitável público.
Se sob a superfície da guerra semiótica criptografada (as bravatas presidenciais negacionistas proferidas diretamente do “cercadinho” do Palácio da Alvorada, diariamente repercutidas pela grande mídia) o governo Bolsonaro obedientemente vem atendendo às demandas do Big Money, por que a mídia corporativa iria fazer “bombardeio incessante” contra Bolsonaro?
Essas análises sobre a suposta “resiliência” de Bolsonaro incorrem em dois equívocos metodológicos, como sempre ligados à incompreensão dos fenômenos de comunicação:
(a) Confundir o chamado “jornalismo snapchat” da mídia corporativa (o “morde-assopra” combinado com “passadas de pano”) com “bombardeio midiático” contra o presidente;
(b) Confundir o “fim do poder da mídia” com a chamada Teoria dos Efeitos Limitados da Mídia, detectada pelas pesquisas empíricas de campo de Paul Lazarsfeld nos anos 1940 que mostraram as relações entre influência da mídia e a influência social.
Jornalismo snapchat e guerra criptografada
Nessa semana, diretamente do “cercadinho” do Palácio da Alvorada (momento em que Bolsonaro se encontra com a claque de apoiadores), num dos seus costumeiros rompantes defendeu a ideia de exigir um termo de responsabilidade de quem tomar a vacina. Para o Estado se isentar de quaisquer responsabilidades por possíveis efeitos colaterais. Claramente um factoide.
Mais uma das bravatas e ilações que o jornalismo corporativo prontamente repercutiu por 48 horas, em incessantes e repetitivas análises com informantes de pauta críticos à “ideia”. Coincidentemente, simultâneo ao novo capítulo da investigação contra o senador Flávio Bolsonaro, agora envolvendo a Abin e órgão do governo federal que teriam agido ilegalmente na defesa do filho do presidente.
A pauta do negacionismo presidencial se sobrepôs e escondeu o essencial: o aparelhamento dos serviços de inteligência. O escândalo envolvendo Abin e GSI foi relegado ao jornalismo snapchat - assim como no aplicativo de mensagens Snapchat onde cada “snap” dura um breve período, para depois ser excluído do aplicativo e servidores, também são as notícias potencialmente explosivas que depois são excluídas da memória do espectador.
Esse é um pequeno exemplo de como a grande mídia cria ilusão de isenção e equilíbrio, mas, ao mesmo tempo, limita-se a qualificar os rompantes de Bolsonaro como “polêmicos” (tentem contabilizar quantas vezes essa passada de pano se repete todo dia) e repercute seus factoides do cercadinho como fatos políticos relevantes que devem ser “interpretados” ou “analisados”.
O discurso do jornalismo da grande mídia é no mínimo ambíguo, para não dizer esquizoide: ao mesmo tempo em que mobiliza seus analistas e informantes de pauta escolhidos a dedo nas empresas de investimentos e corretoras de títulos para defender teto de gastos e Estado Mínimo, por outro celebra a importância da capilaridade do SUS na pandemia. Enfaticamente exalta a necessidade das reformas administrativas que supostamente atrairão os tais “investimentos estrangeiros” para o País, enquanto toca o salve-se quem puder do empreendedorismo – ou seja, não vai ter emprego mesmo!
Enquanto comemora a alta do PIB no terceiro trimestre (7,7%) puxado pela indústria e serviços graças à reabertura do comércio e turismo (é emblemática a vinheta da Globo “turismo, a gente vê por aqui” falando em “turismo responsável” na base da máscara e álcool em gel), histericamente aponta aglomerações em ruas de comércio popular e praias – close em pessoas sem máscaras e planos detalhes das aglomerações.
Estratégia retórica de jogar a culpa na irresponsabilidade do populacho, enquanto as medidas sanitárias das autoridades são sempre dúbias, ambíguas, nunca assertivas – é notável como durante as eleições as tais “médias móveis” da pandemia estavam em quedas, para subirem depois dos resultados do segundo turno. Lembram quando após a reeleição de FHC em 1998 o real se maxidesvalorizou? Pois, então...
Não é para menos que a maioria dos brasileiros não vê responsabilidade no Governo pelas mortes da Covid-19 – a retórica da grande mídia é jogar a culpa na patuleia “irresponsável” enquanto trata, para variar, como “polêmicas” as medidas sanitárias sempre contraditórias e inócuas. Shoppings e aeroportos são abertos... mas tudo deve ser “responsável” e orientadas por “protocolos”... Apresentadores dos telejornais locais se calam com aglomerações em ônibus e plataformas de metrô levando trabalhadores que produzirão mais-valia ao capital... mas ficam histéricos quando a escumalha se aglomera em pancadões ou praias tentando se divertir.