Escrevo esta coluna na véspera do dia 31 de outubro, dia em que os protestantes comemoram e relembram a provocação de um monge agostiniano ao poder papal de sua época, ao chamar os doutores da igreja para um debate sobre as indulgências que eram cobradas pelos favores e perdões da igreja. Esse monge, Martinho Lutero, afixou suas 95 teses (que eram os pontos a serem debatidos) na porta da capela de Wittemberg e este episódio é tido como o marco do que se conhece hoje como Reforma Protestante.
Um erro histórico é pensar que houve uma única Reforma Protestante. Mais honesto seria falarmos de Reformas, no plural. A audácia de Lutero (que não tinha a intenção de rachar a igreja e nem mesmo criar um outro movimento) fez com que muitos se empoderassem para questionar o papado, já que a Igreja Católica era a detentora do grande poder da época, legitimando ou desautorizando reinados, arranjos familiares e, claro, a grande abençoadora da exploração dos pobres e miseráveis.
É bom sempre lembrar que antes da provocação do monge agostiniano, outros já haviam desafiado os poderes da “Santa Madre” e nomes como Francisco de Assis, Jan Huss e até mesmo Joana D’Arc são reconhecidos como “pré-reformadores” por suas atitudes subversivas e confrontadoras da grande controladora da espiritualidade de suas épocas.
Dentre os muitos movimentos de “Reforma”, quero destacar uma e invocar a sua força nesse momento tão perverso e nebuloso da igreja dita protestante no Brasil: a Reforma dos Camponeses, também conhecida como Guerra dos Camponeses, tendo como uma das principais influências um ex-aliado de Lutero, Thomas Müntzer. Müntzer criticava não somente teologicamente a Igreja Católica, mas principalmente seu poderio financeiro em detrimento do povo camponês. Dizia que a essência do cristianismo seria a humildade, a igualdade e a divisão dos bens.
Os camponeses foram rapidamente reprimidos, inclusive com o apoio de Lutero, que defendia a morte de todo aquele que se levantasse contra as ordens de Deus, que neste caso, era a obediência aos doutores da igreja que o próprio Lutero defendia. Müntzer chega a chamar o antigo mestre de “Doutor Mentiroso”.
Müntzer, citado por Engels em “As Guerras Camponesas na Alemanha”, dizia que “a maior infâmia da terra consiste em que ninguém quer tomar para si a miséria do pobre; os grandes desse mundo agem como querem. Eis, pois, o auge da avareza, do sonho e da pilhagem dos nossos Príncipes e senhores: apossam-se de toda criatura, sejam peixes n'água, aves no céu ou plantas na terra; tudo deve ser seu. Em seguida espalham o mandamento de Deus entre os pobres, e dizem: Deus ordenou que não roubeis! Contudo, não acharam uso deste mandamento para si mesmos.”
Thomas Müntzer morreu decapitado em 1525, nos conflitos que marcaram a morte de mais de 100 mil camponeses, com o aval de Lutero e da Igreja da época que legitimou a opressão da nobreza alemã sobre os revoltosos camponeses.
Escrevo esta coluna hoje como memória e invocação do espírito dos camponeses, que mesmo sob a opressão e tendo perdido dezenas de milhares dos seus não se dobraram aos religiosos que, aliados aos poderes políticos, impõem toda força do mal contra o povo pobre e explorado. Foi assim no Século XIX, continua assim hoje, 500 anos depois…
Resistamos…
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