Não importa o que ele faça, vai sempre continuar sendo ele. Foi assim que Pelé entrou na minha vida e na de milhões de pessoas em todo o mundo, principalmente os brasileiros e, sobretudo, nós, os torcedores do Santos.
Lembro perfeitamente da primeira vez que entrei na Vila Belmiro, levado pela mão do meu pai, em um dia de semana de noite de um longínquo final da década de 60. O jogo era Santos x Ferroviária, no meio de um Campeonato Paulista, absolutamente sem importância, mas que marcou minha vida para sempre.
O primeiro alumbramento foi a explosão de cores, as bandeiras, roupas, o imenso verde do gramado, menino habituado a ver futebol pela TV em preto e branco. O segundo, é claro, foi ele. A maneira como se movimentava em campo, a cabeça erguida, a rapidez dos movimentos e mais um sem fim de detalhes que só se percebe no estádio.
Não lembro de ter visto nada nem ninguém, nem antes e nem depois, que tivesse tanto domínio de uma situação quanto Pelé em campo. Pode parecer lugar comum, mas era de fato o dono absoluto do gramado, do jogo, de tudo. Todo o excelente time do Santos jogava em sua função. E todos os times adversários também.
Nem Sinatra cantando, nem as melodias de Paul McCartney ou Tom Jobim, Baryshnikov dançando “O quebra-Nozes”, os girassóis de Van Gogh, coisa alguma, nunca na vida me pareceu tão perfeito, tão exato.
Sua imprevisibilidade era sempre o ponto alto, o seu surgimento, onde quer que fosse, a maneira como ocupava o tempo e o espaço.
Por conta dessa sua maestria absoluta, nunca me abalou nada que pudesse fazer que se considerasse errado ou ruim. Se calar diante da ditadura, em plena década de 70, era pouca coisa diante do tricampeonato esplendoroso que acabara de conquistar.
Nunca ter dito nada a respeito da condição do negro no Brasil e no mundo, não ter reconhecido uma paternidade e mais outras tantas atitudes um tanto canhestras nunca me abalaram diante da sua capacidade ambidestra de tocar na bola, de resolver o jogo.
Levei anos para compreender que aquela idolatria do menino, depois do adolescente e, até hoje, do adulto, tinha um sentido exato. Ninguém, como Pelé, mesmo que por muitas vezes escrevendo por linhas tortas, acertou tanto.
A autoestima de milhões de meninos negros mundo afora passou a ser outra depois dele. Não precisava mesmo dizer nada. Sua genialidade, que se desprendia por todos os poros a cada vez que entrava em campo, já dizia tudo. Nada nem ninguém, fosse branco, amarelo, indígena ou até mesmo negro, poderia resolver as coisas com mais perfeição.
E isto se estendeu a todos de todas as etnias. Passamos a ser brasileiros muito mais orgulhosos depois dele.
Enfim, ao fazer o balanço de seus oitenta anos, completados nesta sexta-feira (23), o menino Pelé poderia, diante dos nossos sonhos, ter sido perfeito. E foi. Quem cansou de errar foi o Edson. O Pelé, como ele próprio se define na terceira pessoa, foi o maior de todos.
E, com a sua grandeza de rei, nos fez também muito melhores.